Após mais de meio século do fim da 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) continuam a vir à tona fatos impressionantes sobre os horrores promovidos pelo regime nazista. A história contada no recém-lançado livro da inglesa Lucy Adlington, As Costureiras de Auschwitz, best-seller do New York Times, que acaba de chegar ao Brasil pela Editora Planeta, surpreende ao falar sobre a criação de um ateliê de alta-costura dentro de um campo de extermínio, que produzia de forma primorosa as roupas das esposas do mais alto escalão nazista.
“Para que a história faça algum sentido, precisamos entender a importância das roupas para o movimento nazista que transformavam peças neutras em uma declaração de princípios. Os uniformes e o símbolo da suástica nazista eram a mensagem para se diferenciar, fabricavam divisões e enfatizavam o elemento ‘nós’ da coesão, tirando proveito do poder do pertencimento quando grupos vestem uniformes”, conta a autora, em entrevista de sua casa, no interior do Reino Unido.
Importância estrutural
Lucy é uma historiadora e pesquisa a linguagem pelo modo de como nos vestimos nos últimos 200 anos. Ao se deparar com a inacreditável história do ateliê de alta-costura dentro de Auschwitz, se debruçou em uma minuciosa pesquisa para decifrar os acontecimentos e o papel da roupa em um ambiente desumano. “Os uniformes tinham uma importância estrutural, que minimizava as diferenças óbvias entre classes, dando a impressão de igualdade dentro do grupo étnico. Além disso, os homens que o usavam pareciam inebriados por sua própria fantasia de poder psicológico”, completa.
Em total sintonia com seus pares, as mulheres dos oficiais de alta patente da SS também queriam manter seu status, poder e unidade por meio das roupas que usavam. A ideia de um ateliê de alta-costura veio à tona por causa dos desejos da sra. Hedwig Höss, esposa do comandante Rudolf Höss, chefe do campo de extermínio de Auschwitz. Hedwig precisava da melhor mão de obra, no caso, a das costureiras judias, para realizar seus sonhos macabros de imagem de grande dama traduzido em roupas bem construídas e com acabamento impecável. Costureiras judias talentosíssimas, que estavam na fila das câmaras de gás ou em trabalhos forçados no campo, tinham suas profissões descobertas e eram levadas para esse espaço idealizado por Hedwig onde construíam roupas dos sonhos para as esposas de seus algozes. O estoque de tecidos e acessórios era ilimitado, vindo quase inteiramente das roupas das pilhagens ou de lojas judaicas roubadas. As peças eram reformadas e transformadas pelo ateliê.
A família Höss morava a poucos metros das chaminés do campo, onde as cinzas com cheiro de corpos se espalhavam diariamente pelo jardim. A casa, chamada por Hedwig de paraíso, era onde compartilhava a vida em família com seus cinco filhos, todos impecavelmente vestidos com roupas criadas pelo ateliê.
Roupas
A imagem das roupas bem feitas com tecidos nobres trazia a mensagem de uma família alemã ariana ideal e a procedência das peças era conhecida pela dona da casa, que mandava suas costureiras “fazerem compras” semanais nos grandes depósitos que se formavam com os pertences roubados dos mais de 1,3 milhão de judeus escravizados em Auschwitz.
“A história de união e os laços de profunda amizade, confiança e compaixão entre as costureiras/prisioneiras mostram um poderoso contraste com relação ao dogma nazista de ‘sobrevivência do mais apto’. Instintos naturais de ajuda mútua formaram a realidade daqueles anos”, conclui Lucy, nos brindando com um livro necessário e potente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.