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Lazer e Cultura'Risque Esta Palavra' não frustra, apesar de não ser bem realizado

‘Risque Esta Palavra’ não frustra, apesar de não ser bem realizado

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Encerramos afinal nossa aventura / eu e tu”, e “a poesia –parece estar de volta…. / é mesmo ela”, versos finais de “Risque Esta Palavra”, o mais recente livro de Ana Martins Marques. Parecem versos de um tratado, uma tese, uma comprovação. Trata-se de um livro de poemas.

Dirigido a “meu amigo”, o chamado cria um vínculo com o leitor que se volta ao título do volume e então percebe que o verbo riscar, além de significar apagar, pode ter o sentido de realçar. Risque, em vez de deletar, pode ser lido como grifar, destacar. O nome do livro como uma possível exaltação da linguagem da poesia.

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De fato há este projeto. Um fio estrutural e temático busca dar unidade ao livro. Se não chega a ser bem realizado, não frustra. Tal como nos versos, “assim como a Boêmia / também Minas faz fronteira com o mar”, “Risque Esta Palavra” é mar imaginário cercado por montanhas. Mas leva a viagens intercontinentais. Seguramente, é o livro da maturidade da autora.

Os anteriores vieram marcados por cacoetes e modismos que filiavam-na a grupos, mas não distinguiam seu lugar. Uma poesia diluída, desleixada, de descrição ou enumeração de significados e coloquialidade esvaziados.

Some-se a isso a diluição drummondiana e os clichês que a poesia marginal insistiu em valorizar tolamente. Porém, entre um ou outro poema, havia versos que apontavam para algo novo. Todavia, os prêmios vinham e afogavam o que poderia ser um começo de experimentação.

“Risque Esta Palavra” surge seis anos depois de sua última publicação. No título, o imperativo afirmativo pode encerrar uma negação. À semelhança da narrativa machadiana em “Dom Casmurro” pede-se ao leitor negligenciar o que está escrito. Recomeçar. Inútil: já fora incorporado pela leitura.

O ludismo de “Mostrar e Ignorar o Visto” incorpora signos passados que interessam ao presente. E é assim que o livro cresce com um projeto que se estende do título ao último verso: a linguagem como corpo do tempo e da poesia.

“Finados” resolve-se em poucos versos, ritmo frenético e a fugacidade da vida mais a vizinhança da morte. Coloca o leitor dentro do poema levando-o a vestir as camisas deixadas nos armários e a habitar as “casas coloridas” e “alegres sem motivo”.

Em “Fazer as Malas é Tarefa Impossível”, a desconhecida alteridade de si próprio marca o tom dos versos: “quem está de partida / arruma a mala / de um desconhecido”. A reflexão pessoal e a linguagem são duas viagens dentro do poema.

Corpo, tempo, impermanência, palavra, água, memória, morte, a figura masculina, mar, são alguns dos elementos que fazem a trama poética de Ana Martins Marques. Todos interligados: “cada corpo confina com o que lhe falta”, como num verso de “Minas à Beira-mar”.

“Noções de Linguística”, a terceira parte, é bem sucedida linguagem falando da própria linguagem. Os poemas “Língua” e “É Uma Alegria Haver Línguas” pensam e vivenciam a língua dentro da linguagem do corpo do eu lírico. Quebram o estado de dicionário e inauguram o estado de poesia. Por isso, prestam-se para serem lidos em silêncio, em voz baixa, alta, reproduzidos por impresso, em imagem, som, dança, etc.

Quer seja, dois poemas que pedem ir livro afora: “No princípio / toda língua é estrangeira // acerca-se do seu corpo como de uma cidade / até tomá-lo / fazê-lo chamar-se a si mesmo pelos nomes / que ela lhe dá: / pé perna barriga dentes”. Ou então: “É uma alegria haver línguas / que não entendo // nelas é sempre infância:/ mar mãe manhã”.

Em “Prosa (I) e (II)”, a ironia, que antes salteava os poemas, agora desenha mancha gráfica de grande efeito e deleite. O que um dia fora arremedo de prosa poética é agora amadurecido poema em prosa de prazerosa intertextualidade e acentuada musicalidade.

“Parar de Fumar”, a parte que encerra o volume, desenha um único poema na estrutura e no tema. Está estruturado visual e ritmicamente de tal forma que o leitor chega ao fim quase sem se dar conta, tomado pela beleza da linguagem. Então, constata que a última poesia ata-se à primeira.

RISQUE ESTA PALAVRA

Preço: R$ 35,92 (120 págs.)

Autor: Ana Martins Marques

Editora: Companhia das Letras

Avaliação: Bom

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