BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A escritora argentina Samanta Schweblin, de 42 anos, acha graça de quem classifica seu romance como ficção científica ou como uma distopia. “Kentukis”, que sai agora no Brasil pela editora Fósforo, trata da relação entre seres humanos e os kentukis, uma mistura de boneco de pelúcia com um robô. Por trás deles, em algum lugar do mundo, há um ser humano, assistindo a tudo o que aquela pessoa faz.
“Há todo um ruído quando falamos de temas tecnológicos na literatura. Eles estão naturalizados em outras artes, como na música e no cinema. Mas, se os pomos no papel, o livro é rotulado como ficção científica, como se fosse algo que ocorre no futuro, ou uma obra pop. Só que nossa vida atual já é mediada pela tecnologia. Não é um futuro imaginado, é hoje”, diz Schweblin.
De Berlim, onde vive há nove anos e dá aulas de literatura, a autora falou por videoconferência. “Estar longe da Argentina me fez ter a necessidade de pôr minha identidade no papel. Antes eu já escrevia dentro do universo argentino, mas desde que estou no exterior, talvez por nostalgia, algo me faz nomear as ruas de Buenos Aires, nossos costumes, nosso idioma, é uma maneira de fixar a lembrança, de demarcar meu território”.
Schweblin conta que o lugar onde nasceu e cresceu, a cidade de Hurlingham, na Grande Buenos Aires, a inspira até hoje, por ter oferecido uma mistura de universos. “É um lugar meio campo, meio cidade. Tinha uma farmácia numa esquina, na outra, um vendedor de galinhas. Seus sons e esse cotidiano tão particular me marcaram”, afirma.
Quando se mencionam os novos autores latino-americanos, Schweblin costuma estar em destaque. Em 2010, integrou a lista da revista britânica Granta dos melhores escritores em espanhol com menos de 35 anos. Ganhou os prestigiados prêmios Casa de las Américas, em 2008, e o Juan Rulfo, em 2012. Em 2017, foi finalista do prêmio Booker com “Fever Dream”.
Também sempre é lembrada no grupo das novas autoras latino-americanas, que vêm sendo publicadas em maior número nos últimos anos na região. “Eu celebro isso por um lado, por outro acho terrível que se categorize como um ‘boom feminino’, porque não é. As mulheres sempre estiveram aí. Quando se sugere que há um ‘boom’ de mulheres, parece que é algo que vai passar. E a literatura escrita por mulheres nada mais é do que a outra metade da literatura da humanidade, que foi posta em segundo plano por muito tempo”, afirma.
“Kentukis” também tem a solidão como assunto central. “Há uma impossibilidade quase trágica nos dias de hoje de as pessoas se comunicarem. Nossos desejos e preconceitos muitas vezes se voltam contra nós. E a ideia dos kentukis é que sirvam de reflexo. A impossibilidade de comunicação aciona em nós o monstruoso, o alienado.”
Na história há personagens em diversas partes do mundo, adultos, jovens, casais. O que eles têm em comum é possuir os kentukis, suas mascotes virtuais. Elas podem ser uma companhia carinhosa ou abusadoras obsessivas, tudo depende da outra pessoa que está por trás delas.
Segundo a escritora, a obra também indaga que presença tem a literatura nos dias de hoje. “A pior coisa que a tecnologia tirou da literatura foi nossa capacidade de concentração para ler. A tecnologia impacta nossa atenção, e com o tempo vai ficando cada vez mais difícil ler de modo concentrado por uma hora, meia hora, cada vez conseguimos prender o foco por menos tempo.”
Por outro lado, crê que se trata da arte menos impactada pela tecnologia de modo geral. “Me surpreende como pode ter transformado, para o bem e para o mal, o cinema, a música e a pintura. Mas a literatura, por mais que exista hoje mais de um formato para ler, entre o livro físico e o virtual, na essência a literatura é a mesma, e trabalha diretamente na cabeça do leitor, com as suas imagens próprias, suas memórias e seus medos.”
KENTUKIS
Preço R$ 64,90 (192 págs)
Autor Samanta Schweblin
Editora Fósforo
Tradução Lívia Deorsola