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Lazer e Cultura'Veneza' seria melhor com menos novela e mais melodrama

‘Veneza’ seria melhor com menos novela e mais melodrama

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FOLHAPRESS – Não faltam boas ideias a “Veneza”. Talvez a primeira delas seja transpor “As Três Irmãs”, de Tchecov, para um bordel interiorano. Ali, a velha Gringa (Carmen Maura), já cega e um tanto demente, alimenta o sonho de ir a Veneza para encontrar o único homem a quem amou e a quem não pôde seguir (para Veneza, justamente).

A primeira ideia que surge bem clara na tela é a da prostituição como representação do ato amoroso. Portanto, de uma teatralidade do gestual amoroso recompensado pelo dinheiro. Isso fica mais claro porque é num bordel que as coisas se passam ou, como se dizia em outros tempos, numa “casa de tolerância”.

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Pode-se entender a palavra em mais de um sentido, não apenas o de um lugar que a sociedade tolera. A prostituição envolve certa arte da convivência -há que suportar, para começo de conversa, o outro, seja ele quem for, no seu corpo.

Com isso convive a tentação de retratar a prostituta como uma alma necessariamente boa, o que é o aspecto mais tradicionalista, digamos, deste melodrama. Em todo caso, isso leva o filme a outra paragem: a possibilidade de sonhar, de fabular, que não é subtraída, aqui, à vida das mulheres ditas da vida.

O filme se abre com um primeiro plano fechado no rosto da Gringa, no auge de um melô à moda hispânica: “Eu já estou morta”, ela berra, os olhos esbugalhados. Esse começo hiperbólico não é lá muito feliz, diga-se, mas serve, em todo caso, para sintetizar a ideia de uma vida de terror.

Um pouco dessa vida de horror da Gringa conheceremos por flashbacks. Regredimos ao momento em que ela, jovem, apaixona-se por um jovem italiano (e vice-versa), mas ela se impede de sonhar com uma vida em Veneza.

Sua vida pregressa, mais os problemas por que passam as garotas introduzem outro tema do filme: o amor pode existir como realidade ou permanece sempre como ilusão, como algo a que aspiramos?

De todo modo, aqui se verifica um choque entre as ideias excessivas que conduzem o filme e o naturalismo de certas interpretações. É quando “Veneza” esquece o voo poético dos melodramas mexicanos (impresso inclusive na cenografia barroca) para assumir a aparência de novela brasileira.

Isso é conjurado a partir do momento em que o pessoal do bordel (do qual faz parte também um homem, filho de uma prostituta -Eduardo Tornaghi) assiste a um espetáculo circense, em que somos confrontados com a imagem bem onírica de um circo interiorano e em seguida com a peça melodramática representada pelos atores circenses, em que se coloca justamente a questão da virtude e do vício (e, secundariamente, o da justiça e da injustiça).

A partir daí o filme assume inteiramente a melhor tradição argentina (a base é uma peça de Jorge Accame), ou seja, em que fantástico intervém fartamente. Nem por isso “Veneza” abandona o que tem de russo, hispânico ou brasileiro. E tudo existe para chegar a esse ponto, em que o centro é um lugar inatingível, mas cujo fundamento é uma onírica viagem a Veneza -é o ponto alto do melô, tanto em termos dramatúrgicos como de realização.

Talvez não seja ironia, no mais, este filme marcar uma passagem do cinema brasileiro de massa ao melodrama: o público que ia cinema para rir agora talvez já esteja mais disposto a chorar. Aquele que aspirava viajar, para Disneyworld agora deve se contentar em ficar nos limites de sua casa ou, se tanto, de seus sonhos. Como a Moscou de “As Três Irmãs”, os canais (hoje nem tão mágicos) de Veneza, também: atualmente, mais vale imaginá-los enquanto se navega nas águas fétidas do Rio Tietê.

É justamente quando invade com força o território do onirismo (e, novamente, do teatro) que “Veneza” se revela, afinal, cruelmente realista. Um pouco menos de Rede Glodo e um tanto mais de Douglas Sirk ou Fassbinder fariam do filme de Miguel Falabella e Hsu Chien Hsin um trabalho a não esquecer facilmente, mas como ficou está longe de ser desprezível.

VENEZA

Avaliação Bom

Quando Estreia nesta quinta (17)

Onde Nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Dira Paes, Danielle Winits, Eduardo Moscovis

Produção Brasil, 2019

Direção Miguel Falabella e Hsu Chien

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