BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A proposta de estabelecer uma quarentena de cinco anos para militares, policiais, juízes e promotores que quiserem disputar eleições tem apoio dos principais partidos do centrão e da oposição.
Incluída de última hora no projeto de reforma da lei eleitoral, a medida deve ser votada pela Câmara dos Deputados na semana que vem. Se entrar em vigor até o início de outubro, inviabilizaria eventuais pretensões políticas de policiais e militares que buscam surfar na onda do bolsonarismo, como o general Eduardo Pazuello, além do ex-ministro e ex-juiz federal Sergio Moro, entre outros.
Conforme decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) no caso da aplicação da Lei da Ficha Limpa, as condições de elegibilidade dos candidatos são aferidas no momento de registro da candidatura, com base nas regras em vigor naquele momento.
Ou seja, a vedação prevista na quarentena, que trata da elegibilidade dos candidatos, atingiria mesmo aqueles que tivessem se afastado de suas antigas funções antes de a norma passar a valer.
Apesar de a possível nova regra ser do campo do direito eleitoral, e não do penal (lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu), há possibilidade mesmo assim de questionamentos na Justiça sob o argumento de que estaria havendo aplicação retroativa de lei prejudicial ao candidato.
As duas principais siglas do centrão, PP e PL, estão na linha de frente da articulação e querem que a quarentena valha a partir de 2022.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já defendeu publicamente a medida. A reportagem ouviu de pessoas que acompanharam as negociações que o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), principal cacique do PP, também articulou inclusão da quarentena no projeto de reforma do código eleitoral.
A relatora do projeto, Margarete Coelho (PP-PI), é próxima a Lira e Ciro. Procurada, ela não se manifestou.
O PL de Valdemar Costa Neto também apoia a proposta. O centrão é hoje a base de sustentação de Jair Bolsonaro no Congresso e comanda também os ministérios de articulação política, com Ciro, do PP, e Flavia Arruda (Secretaria de Governo), do PL.
A oposição também é favorável. “Se nós tivermos tempo hábil de votar agora, sem açodamento, sou a favor de que se tenha uma quarentena”, afirma o deputado Bohn Gass (RS), líder da bancada do PT, o maior partido da oposição.
Ele defende, porém, um período menor de descompatibilização e nega que a medida tenha o objetivo de atingir candidaturas específicas, como a de Moro e Pazuello.
“Absolutamente. É uma regra geral, para valer para todas as instituições. Não é para desidratar eventual candidatura deles, elas já estão se desidratando por outros motivos.”
O que une oposição e governistas em torno desse tema é a tentativa de barrar pretensões políticas de integrantes da força-tarefa da Lava Jato, que tiveram PT e centrão como alguns de seus principais alvos, além de conter a politização de quartéis e polícias.
Neste mês, por exemplo, o governo de São Paulo está lidando com o caso do coronel da PM Aleksander Toaldo Lacerda, que participou da convocação dos atos pró-governo Bolsonaro para 7 de Setembro. O policial foi afastado.
Apesar do apoio à quarentena, presidentes de dois partidos importantes de centro-direita que não integram o centrão, Gilberto Kassab (PSD) e Baleia Rossi (MDB), dizem defender que ela só valha só para 2024 em diante.
Os dois argumentam que propor tal medida já na disputa do ano que vem pode passar à população uma impressão de que o Congresso está agindo com casuísmo. “Temos que respeitar a sociedade, ela não admite mais esse tipo de coisa”, afirma Kassab.
Já o Podemos é contra a proposta, dizendo que ela iguala juízes e policiais aos fichas-sujas. O partido deseja o ingresso de Moro em seus quadros.
O texto que pode ir a votação na semana que vem afirma que são inelegíveis, para qualquer cargo, militares, policiais, guardas municipais, magistrados e integrantes do Ministério Público que não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções até cinco anos antes do pleito. Apenas aqueles detentores de mandato eletivo, ou ex-detentores de mandato, estariam fora da restrição.
“Estamos fazendo uma avaliação final para ver se isso valerá para quem ainda está ocupando o cargo.
Se for desta maneira, entendo que pode ser positivo, não sei se necessariamente os cinco anos. Agora, se atingir aqueles que deixaram a magistratura ou qualquer função durante os últimos cinco anos, aí eu sou contrário. Acho que não pode valer retroagindo, só para quem está em exercício da função”, diz Alex Manente (SP), líder da bancada do Cidadania.
Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) diz estar fazendo contato pessoal com os deputados que fazem parte do grupo são 304, segundo ele. No entanto, avalia haver pouca chance de reverter a aprovação da quarentena.
“Ontem [quarta-feira] eu estava em Brasília. Vi que o pacote já está acordado entre os líderes, vai ser votado. Eles não estão aceitando sequer discutir uma carência, não aceitam conversar, absolutamente nada”, afirmou. “É um absurdo um negócio desses.”
“A justificativa é que, no cargo público de policiais, juízes, você pode ter visibilidade que favoreça nas eleições, mas governadores e prefeitos que estão no cargo também têm essa visibilidade. Para reeleição é lícito, não é concorrência desleal. Para nós, é?”, questionou.
Pazuello, que comandou o Ministério da Saúde e é general da ativa, é citado como possível candidato ao governo do Rio de Janeiro. Ele chegou a subir em um palanque político ao lado de Bolsonaro, mas o Exército acabou livrando-o de punição, o que foi visto como um possível estímulo à politização na caserna.
Moro, que foi juiz da Lava Jato e ministro da Justiça de Bolsonaro, é citado como possível candidato à Presidência da República.
Se passar pela Câmara, o projeto tem que ser votado ainda pelo Senado e, após isso, vai a sanção ou veto de Bolsonaro.
Em entrevista ao fim da reunião de líderes na tarde desta quinta-feira (26), Lira disse ainda haver um debate sobre partidos que desejam uma nova rodada de conversa com Margarete.
Segundo ele, a partir da próxima quinta-feira (2) o texto já pode ser votado. “Ficou acertado para quinta-feira, de hoje a oito, ir a plenário, para que, respeitando, se for o caso, o tempo máximo que nós possamos dar ao Senado para não deixar para depois do feriado, e aí ficaria quase que impossível a discussão no Senado Federal.”
Além da quarentena, o projeto traz diversas modificações na legislação eleitoral, entre elas uma fragilização de regras de transparência, de fiscalização e de punição pelo mau uso do dinheiro público.
Entidades lideradas pelo movimento Transparência Partidária têm patrocinado a campanha “Freio na Reforma”, que aponta uma série de retrocessos na legislação que está sendo proposta.