PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Por alguns anos, a orientação sexual do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), 36, foi alvo de apelidos maldosos criados por adversários e críticos, usada em notícias falsas em época de eleição, mas ele mesmo não “tratava do assunto”, como declarou recentemente à revista Piauí.
Nesta quinta-feira (1º), porém, isso mudou. Nome cotado a presidenciável para a disputa de 2022, ele mesmo resolveu falar a respeito em entrevista ao apresentador Pedro Bial, da TV Globo, em um momento histórico que trouxe onda de apoio nas redes, mas também críticas.
Enquanto aliados, como o governador de São Paulo João Doria (PSDB), e adversários, como a ex-deputada Manuela DÁvila (PC do B), parabenizaram a decisão de Leite, as redes também lembraram o apoio dele, um homem gay, ao presidente Jair Bolsonaro em 2018. Bolsonaro já era conhecido por declarações homofóbicas, entre elas, a de que seria incapaz de amar um filho homossexual.
O presidente, que foi acionado por Leite no STF (Supremo Tribunal Federal) depois de questionar onde o governador “enfiou” o dinheiro destinado à área da saúde no Rio Grande do Sul, disse nesta sexta-feira (2) que o tucano estava se achando o máximo depois de sua declaração. “É o cartão de visita para a candidatura dele”.
Vice-governador e secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior não vê contradição na posição adotada nas eleições e a orientação sexual de Leite. Ele foi um dos primeiros a parabenizá-lo nas redes sociais.
“Ele abriu o voto para o Bolsonaro e somente isso. Nosso material, nossa propaganda, em nenhuma delas tinha Eduardo Leite, Delegado Ranolfo, Bolsonaro e General Mourão. Como quer alguém que é republicano, não tem como chegar ao segundo turno de uma eleição presidencial e ficar em cima do muro. Ele abriu o voto em apoio crítico, com ressalvas, mas não passou disso”, afirma o vice.
Adversários dos dois na disputa pelo Palácio Piratini em 2018 usaram a orientação sexual de Leite em fake news espalhadas na campanha. Uma foto do governador em Punta del Este, no Uruguai, sem camisa, com a família, foi recortada para parecer que um de seus irmãos era um namorado.
Ranolfo diz que nunca havia falado com Leite sobre o assunto até ser procurado pela revista Piauí há algumas semanas, mas admite que o cunho homofóbico de falas do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, em críticas à condução da pandemia pelo governo gaúcho estão entre os motivos que o levaram a sair da legenda.
“Essa postura ultrapassada, homofóbica, sem dúvida alguma isso pesou, isso nos envergonhou como petebistas”, diz ele, ainda sem partido.
Presidente nacional da Diversidade Tucana, grupo do PSDB, Edgar de Souza diz que votou em Fernando Haddad (PT) para presidente no segundo turno de 2018, mas entende a necessidade de Doria e Leite de assumirem postura diferente.
Ex-prefeito de Lins (SP), ele enfrentou as eleições como um homem gay assumido, em uma relação estável, e sofreu ataques. Hoje, diz estar ainda em êxtase pela fala do governador gaúcho.
“O Eduardo é da linha que nós defendemos, nós, LGBTQIA+ do PSDB, somos social-democratas, temos liberais, temos gente de centro-direita, de direita, porque essa pauta não é da esquerda. A esquerda tenta se apropriar, mas é uma pauta humana, da natureza das pessoas. Eu sou gay porque eu sou gay, Eduardo é gay porque é gay. Ser LGBT é uma questão da sua mais profunda existência”, diz ele.
De esquerda e LGBT, o ex-deputado federal Jean Wyllys criticou Leite nas redes sociais. Ele questionou feministas se aplaudiriam a ministra Damares Alves só por ser mulher ou o movimento negro Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, por ser negro.
“Os héteros de fora da comunidade LGBTQ querem nos obrigar a aplaudir gay bolsonarista!”, escreveu em um post no Twitter.
“Coragem grande teria o ‘governador gay’ se tivesse se assumido e se colocado ao lado de LGBTQ momento em que seu aliado Bolsonaro disseminava mentiras como ‘kit gay’ e ‘mamadeira de piroca’ que objetivam nos associar à pedofilia. Naquele momento o governador era cúmplice”, criticou Wyllys.
Em 17 de maio, no Dia Internacional contra a LGBTfobia e dia em que o Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, completava 100 anos, o governador iluminou o prédio com as cores da bandeira da diversidade.
O episódio motivou críticas no blog de um jornalista gaúcho e levou a ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade a registrar ocorrência policial por homofobia pelo teor das declarações.
Diretor operacional da Somos, uma das principais organizações LGBTQIA+ no Rio Grande do Sul, Gabriel Galli vê o apoio de Leite a Bolsonaro como contradição, mas considera a atitude do governador bastante relevante.
“Isso não o torna necessariamente um aliado do movimento LGBT como um todo. A gente entende que um dos principais problemas das pessoas LGBT é conviver com a miséria, causada principalmente pelo fato de que não conseguem acessar educação e trabalho, e se não tiver políticas nesse sentido, a discriminação não vai ser combatida de forma efetiva. Nem sempre o governo Leite pensa nesse tipo de política”, diz ele.
A declaração de Leite ao assumir sua orientação sexual “Eu sou gay. E sou um governador gay, não sou um gay governador, tanto quanto [Barack] Obama, nos Estados Unidos não foi um negro presidente” também chama a atenção, segundo o antropólogo e diretor do Instituto Matizes, Lucas Bulgarelli.
Para que o país chegasse ao momento em que um governador assume sua orientação publicamente, ele lembra que foi necessária uma luta, ao longo dos anos 1960, principalmente nos 1970 e que continuou pelas décadas seguintes, por meio de organizações, militância e grupos políticos PT e PSTU foram os primeiros partidos com núcleos de gays e lésbicas.
Ao longo dos anos 2000, ativistas LGBT passaram a aparecer em outros partidos, como PV e PSDB.
“Hoje em dia, para ele se declarar um governador gay, me parece que ele teria que compreender o que isso significa politicamente. Essa afirmação só é possível porque houve esforços, que remontam a pelo menos quatro décadas, no sentido da inscrição da homossexualidade, da transexualidade e demais sexualidades no vocabulário político. Essas coisas não vêm por acaso, não é nada óbvio que alguém hoje possa se afirmar com tranquilidade um governador gay”, diz Bulgarelli.
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) também comentou a declaração do tucano. No Twitter, ela falou que o “o governador Eduardo Leite fez um gesto importante e tem minha solidariedade por ataques que venha a sofrer em razão de sua declaração. Eu sei o que é a dor da discriminação e do preconceito”.
Ainda na rede social, a petista falou que “na minha vida pública ou privada nunca existiram armários. Sempre demarquei minhas posições através da minha atuação política, sem jamais me omitir na luta contra o machismo, o racismo, a LGBTfobia e qualquer outro tipo de opressão e de violência”.
Há ainda o fator de Leite ser governador em exercício em um estado conservador e tradicionalista como o Rio Grande do Sul.
Dentro do MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho), segundo o assessor de imprensa da organização, Rogério Bastos, não houve grande repercussão da fala do governador. A primeira trans no movimento é hoje secretária-adjunta de Cultura no governo Leite, Gabriella Meindrad.
“Se a pessoa não está com o coração aberto para as mudanças que a sociedade está passando, quem vai sofrer é a pessoa. Vivo ficará aquele que se adaptar. Não interfere em nada. Se ele fosse um declamador, ele ia continuar declamando, se fosse trovador, ia continuar trovando”, diz Bastos.