BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após pressão da ministra Rosa Weber, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para apurar o suposto crime do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por prevaricação no caso da compra das vacinas Covaxin.
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona quando o jornal Folha de S.Paulo revelou o teor do depoimento do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão “atípica” para liberar a importação da Covaxin.
Com a abertura do inquérito, caso venha a ser autorizado pelo Supremo, Bolsonaro passa a ser investigado oficialmente perante a corte. Geralmente, nesse tipo de procedimento, a Polícia Federal e a PGR têm de pedir autorização do STF para realizar medidas investigativas.
Depois de finalizar a investigação, a PF produz um relatório, e a Procuradoria decide se denuncia os envolvidos ou se pede o arquivamento.
No caso de denúncia, a Câmara precisa autorizar, com o voto de dois terços dos deputados, o STF a julgar a acusação.
Se a Casa der aval, o Supremo define se aceita a denúncia e torna o investigado réu. Caso siga essa linha, é aberta uma ação penal que pode resultar ou não em condenação.
Procurada, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo afirmou que “não se manifesta sobre a atuação de outros Poderes ou órgãos externos”.
Inicialmente, a Procuradoria havia pedido para aguardar o fim da CPI para se manifestar sobre a necessidade ou não de investigar a atuação do chefe do Executivo. Rosa Weber, que é relatora do caso, porém, rejeitou a solicitação e mandou a PGR se manifestar novamente sobre o caso.
Em uma decisão com duras críticas à PGR, a magistrada afirmou que a Constituição não prevê que o Ministério Público deve esperar os trabalhos de comissão parlamentar de inquérito para apurar eventuais delitos.
“Não há no texto constitucional ou na legislação de regência qualquer disposição prevendo a suspensão temporária de procedimentos investigatórios correlatos ao objeto da CPI”, disse. Segundo a ministra, “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.
A PGR, então, recuou e pediu nesta sexta-feira (2) a abertura de inquérito.
A Procuradoria solicitou a Rosa Weber que seja autorizada a buscar informações junto à Controladoria-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Procuradoria da República no Distrito Federal e à CPI da Covid sobre as negociações relativas à Covaxin.
A PGR também pediu o aval para a PF “produzir provas, inclusive através de testemunhas” para identificar se houve de fato prevaricação.
A PGR também requer que a PF seja autorizada a colher o depoimento do chefe do Executivo e dos autores da denúncia de irregularidades, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luís Ricardo Miranda.
A manifestação é assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.
Jacques afirmou que é necessário esclarecer se Bolsonaro se omitiu sobre as denúncias de irregularidades que chegaram até ele e se o presidente agiu de maneira intencional com “o intuito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
“A despeito da dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação e da ausência de indícios que possam preencher o respectivo elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato, cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências”, disse Jacques.
A Procuradoria pediu que seja estabelecido um prazo de 90 dias para adotar as providências a fim de concluir se houve ou não prevaricação de Bolsonaro. Agora, Rosa deve decidir se determina a instauração do inquérito.
Além deste caso, a Procuradoria da República no DF também investiga supostas irregularidades nas negociações.”
Bolsonaro já é alvo de outro inquérito em curso no Supremo, que apura a veracidade das acusações do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente tentou violar a autonomia da Polícia Federal.
A investigação, porém, está travada desde setembro do ano passado devido a um impasse em relação ao depoimento a ser prestado pelo chefe do Executivo. O presidente pediu ao STF para que possa prestar o depoimento por escrito, mas o plenário da corte ainda não definiu se ele tem essa prerrogativa ou se deve depor presencialmente.
Desde que a Folha de S.Paulo revelou o teor do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, o caso virou prioridade da CPI no Senado. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da Covaxin por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).
Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).
A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado Miranda relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a PF para que abrisse investigação.
A CPI da Covid, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Desde a revelação do caso, o governo mudou sua versão mais de uma vez.
A última versão é que Bolsonaro teria comunicado as suspeitas ao então ministro Eduardo Pazuello e que ele teria repassado ao então secretário-executivo da Saúde Elcio Franco, que não teria encontrado irregularidades.
Entretanto, praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato de 20 milhões de doses da Covaxin.
Além disso, ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a PF iria abrir inquérito sobre as suspeitas e depois afirmou que não tem “como saber o que acontece nos ministérios”.
No dia 30 de junho, a PF instaurou um inquérito para investigar a compra da vacina Covaxin pelo governo. No mesmo dia, também o MPF (Ministério Público Federal) abriu um procedimento investigatório criminal, conhecido internamente pela sigla PIC, para apurar as suspeitas de crime no contrato de compra.
A partir do caso Covaxin, a Folha de S.Paulo chegou a outro caso de suspeitas de irregularidades, envolvendo a empresa Davati Medical Supply. A reportagem localizou Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresentou vendedor da empresa.
Em entrevista à Folha de S.Paulo na última terça (29), ele disse que então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina de US$ 1 por dose de vacina para fechar contrato. As acusações foram repetidas em depoimento à CPI da Covid na quinta (1º). Dias foi exonerado do cargo nesta semana.