O governo Jair Bolsonaro precisou de sete meses de uma apuração preliminar e de uma semana de denúncias na imprensa para encaminhar à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF) suspeitas de pagamentos de propinas a pastores para liberação de verbas do Ministério da Educação, para que sejam investigadas.
A Controladoria-Geral da União (CGU) informou ao Estadão ter encaminhado nesta quinta-feira, 24, “Relatório produzido e das evidências coletadas” durante instrução preliminar aberta em agosto de 2021, vinte dias após a conclusão dos trabalhos, no dia 3 de março. A informação da CGU, no início do dia, em outro e-mail, era de que ainda não tinha enviado as conclusões para a PF. O novo posicionamento veio após o presidente Jair Bolsonaro dizer, em live, que o órgão, chefiado pelo bolsonarista Wagner Rosário, já havia encaminhado denúncias do Ministério da Educação à PF.
Desde a semana passada, o Estadão revelou relatos de prefeitos que disseram presenciar pedidos de propina em forma de ouro, pagamentos entre R$ 15 mil e R$ 40 mil e até na compra de bíblias, feitos pelo pastor Arilton Moura, acompanhado do pastor Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade. O livre acesso e a proximidade deles ao ministro Milton Ribeiro, com mais de 22 reuniões oficiais, e ao presidente Jair Bolsonaro foi revelado pelo Estadão.
A possível prática de crimes de corrupção ocorria em paralelo a encontros de prefeitos com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, no gabinete ministerial, em Brasília, bem como em reuniões em diversas cidades pelo Brasil, agendadas e organizadas pelos pastores.
Como revelou o Estadão, os pastores operavam uma espécie de gabinete paralelo no MEC. Três prefeitos já disseram ao jornal terem recebido pedidos de dinheiro pelos pastores. O prefeito Gilberto Braga, do município de Luís Domingues (MA), relatou ao Estadão que o pastor Arilton, na presença de Gilmar Santos, líder da igreja Cristo Para Todos, teria cobrado propina em ouro para facilitar acesso ao ministério.
Em entrevista à CNN Brasil, na quarta-feira, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, admitiu que teve conhecimento de “conversas estranhas” do pastor Arilton Moura, envolvendo recursos do Ministério da Educação, mas manteve reuniões com o religioso. O ministro disse que recebeu relatos e também uma denúncia anônima sobre pedidos de recursos feitos pelo pastor em troca de benefícios no MEC, em agosto de 2021, e repassou o caso à Controladoria-Geral da União (CGU).
Pelo informado pela CGU, o resultado do trabalho, em 3 de março, teria sido enviado ao Corregedor-Geral da União e passado 20 dias em seu gabinete, até ser enviado na quarta-feira, 23, ao ministro Wagner Rosário.
“Em 24/03/22, o Ministro de Estado da CGU emitiu decisão concordando com os encaminhamentos da Comissão e determinando o envio do Relatório produzido e das evidências coletadas para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. O ministro alertou também, em seu despacho, para que todos os casos divulgados acerca de possíveis irregularidades envolvendo oferecimento de vantagem indevida de terceiro citado na Instrução Preliminar sejam incorporados à Investigação Preliminar Sumária (IPS) instaurada em 23/03/22, citada na Nota de Esclarecimento da CGU de mesma data”.
A Controladoria-Geral da União, porém, recusou-se a enviar qualquer documentação que comprove a existência da investigação interna mencionada, tampouco algum documento que confirme o encaminhamento à Polícia Federal.
Em nota, a CGU disse que “não irá dar acesso ao Relatório e ao Procedimento propriamente dito face ao previsto no parágrafo 3º do artigo 7º da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011)”. O citado artigo, porém, não acoberta a omissão do documento público. Ao contrário, diz que “o direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo” (Art. 7º, parágrafo 3º).
No caso, a CGU diz que já houve conclusão do trabalho de apuração preliminar e a decisão de enviar o material à PF, então não há razão para deixar de informar o material ao público.