BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O inquérito dos atos antidemocráticos revelou que o acesso ao perfil do Instagram Bolsonaro News foi ampliado de dentro da Presidência da República à medida que as manifestações que pediam o fechamento de instituições como o STF (Supremo Tribunal Federal) se intensificaram no ano passado.
Então administrada pelo assessor especial da Presidência Tércio Arnaud Tomaz, esse apontado como um dos integrantes do chamado “gabinete do ódio”, a conta é suspeita de publicar conteúdo contra autoridades críticas ao chefe do Executivo e é investigada pela Polícia Federal.
Análise feita pelo jornal Folha de S.Paulo com base em dados reunidos pela apuração policial mostrou que, após registros esporádicos em janeiro e fevereiro de 2020, o perfil passou a ser acessado de equipamentos conectados à internet do Palácio do Planalto com grande frequência em março, abril e maio.
As datas dos acessos coincidem com o período em que a militância do presidente Jair Bolsonaro amplificou os ataques às instituições, o que levou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a pedir a instauração de uma investigação sobre esses movimentos.
Um ano e dois meses depois e após ter reconhecido que o inquérito ajudou a reduzir manifestações antidemocráticas, porém, a PGR pediu, no início de junho, o arquivamento do caso perante ao Supremo.
Uma série de desentendimentos entre a PF e a Procuradoria atrapalhou o avanço das apurações, o que culminou no parecer enviado ao Supremo para encerrar o caso.
Enquanto a polícia destacou a necessidade de aprofundar a busca por mais provas sobre o tema, a Procuradoria fez uma série de críticas ao trabalho da corporação e disse que, em razão dos erros cometidos pelos investigadores, o ideal seria arquivar a apuração contra 11 deputados federais e remeter outros 6 casos à primeira instância.
Agora, cabe ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidir se atende as solicitações da PGR.
Caso a manifestação do órgão de investigação seja seguida pelo STF, o que observaria a jurisprudência atual da corte, o uso de estrutura do governo no incentivo aos atos antidemocráticos, uma das linhas investigadas pela PF, corre o risco de ser abandonada.
O Bolsonaro News também entrou na mira das empresas de redes sociais, que derrubaram 73 contas inautênticas de aliados do chefe do Executivo no Facebook e no Instagram, sob o argumento de que propagavam discurso de ódio.
Antes de ser banido, o perfil Bolsonaro News contava com quase 500 mil seguidores e somava mais de 11 mil publicações.
Relatórios da PF que fazem parte do inquérito mostram que, em todo o primeiro bimestre do ano passado, houve 17 acessos ao perfil a partir da internet da Presidência.
As ocorrências aumentaram e chegaram a 26 em março, principalmente na segunda quinzena do mês, após a realização de uma primeira manifestação em apoio a Bolsonaro.
Em abril, foram contabilizados 41 acessos. No dia 19 daquele mês, houve a manifestação bolsonarista na frente do Quartel-General do Exército, em Brasília. O presidente participou e discursou na caçamba de uma camionete, desencadeando uma crise institucional entre os Poderes.
Dois dias depois, a PGR solicitou a instauração do inquérito, com o objetivo de apurar quem organizou e financiou os protestos realizados em todo o país e que incluíam pedidos de intervenção militar e fechamento do Supremo e do Congresso.
Novas mobilizações ocorreram em maio, novamente com intervenções de Bolsonaro. No dia 3, um domingo, ele desceu a rampa do Planalto para cumprimentar apoiadores que aglomeravam no alambrado na frente da sede do governo.
Os acessos ao Bolsonaro News a partir de computadores conectados à internet da Presidência ficaram ainda mais frequentes, atingindo 57 registros em maio.
Em junho, a rotina de acessos, 30 no total, foi intensa nos 15 primeiros dias. A partir da segunda metade do mês, a movimentação é menos frequente, o que coincide com o momento em que Moraes autorizou o cumprimento de 21 mandados de busca e apreensão contra bolsonaristas investigados no inquérito dos atos antidemocráticos.
A atuação de perfis como o administrado por Tércio demonstraram, segundo a PF, “convergência com o escopo dos fatos apurados” no inquérito dos atos antidemocráticos.
A polícia identificou que perfis bolsonaristas como o Bolsonaro News também foram acessados de órgãos como a Câmara dos Deputados, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e o Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea, que pertence às Forças Armadas.
No inquérito, a PF citou o relatório da Atlantic Council. A empresa que monitora a atuação de grupos que disseminam fake news nas redes sociais produziu um levantamento para o Facebook no qual apontou a existência de um “movimento online de pessoas associadas para supostamente promover difusão de ideias com potencial de causar instabilidade na ordem política” do Brasil.
Tércio e outros assessores especiais da Presidência são apontados como integrantes do “gabinete do ódio”, que atua sob a tutela do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho 02 do chefe do Executivo. A existência do gabinete foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo em 2019.
No ano passado, deputados da oposição protocolaram no TCU (Tribunal de Contas da União) uma representação para que fosse apurada a atuação de Tércio.
De acordo com os congressistas, “as redes sociais Facebook e Instagram haviam identificado e removido páginas e contas do sr. Tércio que apresentavam publicações com conteúdo falsos e de ataque a adversários políticos do presidente”.
Os ministros enviaram o caso à Presidência por entender que cabe ao Planalto a análise da conduta de Tércio do ponto de vista correicional.
Esse papel compete à Ciset (Secretaria de Controle Interno da Presidência). Em resposta a um pedido de informação, a Secretaria-Geral da Presidência informou que a Ciset analisa, desde o ano passado, o ofício enviado pelo TCU.
A reportagem encaminhou um email à própria Presidência sobre o assunto, por envolver um auxiliar direto de Bolsonaro, mas não houve resposta até a conclusão deste texto.