MOGI DAS CRUZES, SP (FOLHAPRESS) – As atividades do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional serão retomadas em fevereiro. A última sessão na corte foi realizada no dia 18 de dezembro. Depois disso, a maioria dos ministros entrou em recesso.
Na Câmara e no Senado, os trabalhos seguiram até o dia 23 de dezembro, apesar de Maia ter feito um movimento pela convocação extraordinária dos parlamentares no período.
A retomada dos trabalhos, em 1º de fevereiro, será marcada pela eleição das novas mesas diretoras das duas Casas. Até lá, uma comissão representativa responde pelas demandas urgentes.
Entenda o que muda durante esse período:
QUAL O PERÍODO DE RECESSO DO CONGRESSO NACIONAL E DO STF?
A Constituição Federal de 1988 estabelece dois períodos de recesso para senadores e deputados. O primeiro começa no dia 23 de dezembro e segue até 1º de fevereiro. O segundo vai de 18 a 31 de julho.
Originalmente, o período era maior, indo de 16 de dezembro a 14 de fevereiro e de 1º a 31 de julho. A redução veio por uma emenda constitucional aprovada em 2006. Antes da Constituição, o Congresso não funcionava nos meses de dezembro, janeiro e julho, exceto em caso de convocação extraordinária.
No Supremo Tribunal Federal, o recesso começa em 20 de dezembro e vai até 6 de janeiro, de acordo com o regimento interno da corte. Além do recesso, os ministros têm férias coletivas de 60 dias, divididas em dois períodos, de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho, conforme lei complementar de 1979.
Os 60 dias de férias também valem para membros de outros tribunais, exceto dos Tribunais Regionais do Trabalho.
QUAL A JUSTIFICATIVA PARA O RECESSO DOS DOIS PODERES?
No caso do Congresso Nacional, especialistas ouvidos pela Folha afirmam que o objetivo é permitir a reconexão dos congressitas com suas bases eleitorais. Para o professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), Frederico Bertholini, cabe ao parlamentar definir o uso desse período.
“O parlamentar não tem férias. Ele está sempre exercendo o mandato eletivo dele. Se ele decide ir passar férias e não se reconectar [com as bases] quem pode perder lá na frente é ele mesmo”, diz.
O diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, afirma que, ao contrário do Judiciário, o mandato dos congressistas é eletivo pela população, o que justifica a pausa. “É comum na democracia você ter esses momentos em que o legislador passa mais tempo na sua base eleitoral do que em Brasília.”
Como esse período não é considerado férias, Galdino defende que as sessões extraordinárias no recesso parlamentar, mais comuns no meio do ano, não deveriam ser pagas como horas extras.
No caso do STF, a professora de sociologia da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) Fabiana Luci de Oliveira, que estuda o Judiciário, diz que é difícil justificar o período de recesso da corte, somado às férias e feriados. “É legal, previsto na lei orgânica, mas isso não implica que seja justificável.”
“Costuma-se alegar que a tarefa de julgar gera desgaste superior. Essa argumentação é recorrente quando se trata de justificar as diferenças salariais abissais dessa elite do serviço público brasileiro, num país tão desigual quanto o nosso. Por mais que seja legal, é excessivo”, completa.
DURANTE O RECESSO, COMO FUNCIONA O CONGRESSO?
A tramitação de projetos de lei nas duas Casas fica interrompida, porém atividades essenciais e urgentes são realizadas pela Comissão Representativa do Congresso Nacional, formada por sete senadores e 16 deputados, com igual número de suplentes, designada na última sessão que antecede o recesso. A presidência e a vice-presidência são assumidas pelos presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente.
Entre as atribuições da comissão estão a autorização de viagens internacionais do presidente e do vice-presidente, deliberação sobre projeto de lei de créditos adicionais ou até mesmo interrupção de atos do Executivo que ultrapassem limites legais.
Caso haja convocação extraordinária do Congresso Nacional, o mandato da comissão fica suspenso.
HÁ PREJUÍZO PARA A TRAMITAÇÃO DE PROJETOS DE LEI?
Bertholini diz que não, pois é possível recuperar o tempo de recesso no decorrer do ano, o que não impede o uso estratégico do recesso pelos parlamentares tanto para acelerar quanto para retardar pautas.
Galdino afirma que o prejuízo pode ocorrer ao final das legislaturas, uma vez que os projetos que não foram aprovados ou rejeitados pelo Congresso acabam arquivados pelas respectivas Casas.
QUAL A DIFERENÇA ENTRE O RECESSO DO FINAL E DO MEIO DO ANO PARA OS CONGRESSISTAS?
A Constituição determina que o Congresso não interrompa a sessão legislativa sem aprovar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO. Apesar disso, os parlamentares costumam fazer um recesso informal ao não agendar trabalhos no período, prática apelidada de “recesso branco”.
Galdino afirma que isso ocorre porque o Executivo atrasa o envio, deixando os parlamentares sem tempo suficiente para analisar a legislação.
“A gente pode até reclamar que o Congresso faz isso, porque estão sendo pagos para representar o povo e fazer o melhor possível, mas existe a responsabilidade do Executivo por envio muito tardio, fora do que seria esperado, para a proposta orçamentária”, afirma.
Bertholini diz que essa situação sinaliza conflito na relação entre o parlamento e o presidente. “Posso entender esse tipo de atitude como uma sinalização da falta de articulação, mas só isso”, afirma.
O QUE MUDA NAS ATIVIDADES DO SUPREMO DURANTE O RECESSO E FÉRIAS DOS MINISTROS?
Nesse período, os prazos processuais ficam suspensos na corte, mas decisões monocráticas sobre questões consideradas urgentes podem ser tomadas durante o plantão. Até o dia 18 de janeiro, ele será coordenado pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux. O período restante terá a coordenação da vice-presidente da corte, ministra Rosa Weber.
Doutor em direito e professor associado do Insper, Diego Werneck diz que esse é um período em que o presidente “assume o primeiro plano”. Ao mesmo tempo, ele aponta que nos últimos anos houve uma movimentação maior de decisões de relatores da corte no plantão.
“É um momento em que, às vezes, em processos de alta importância, é possível que haja o uso estratégico desse recesso. Se uma parte acha que o relator não é simpático a um determinado pedido, pode formular um pedido urgente e ver se o presidente é mais simpático”, afirma.
Mestre em direito e pesquisadora do núcleo Supremo em Pauta, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Ana Laura Barbosa acrescenta que não há delimitação sobre o que pode ser julgado no plantão.
“Esse juízo é um tanto quanto discricionário, inclusive isso é um dos pontos criticados, aí não só em relação aos poderes do presidente no recesso. O relator também tem bastante poder”, afirma.
Ela cita como exemplos a decisão de dezembro de 2017 da então presidente Cármen Lúcia de suspender trechos do decreto de indulto natalino do governo de Michel Temer e a de 2013, que suspendeu a criação de novos tribunais regionais federais, tomada pelo então presidente Joaquim Barbosa.
Werneck menciona também a decisão de 2015 do então presidente Ricardo Lewandowski, que suspendeu a divulgação da lista de empresas e pessoas envolvidas com trabalho análogo à escravidão pelo Ministério do Trabalho.
HÁ PODER EXCESSIVO DO PRESIDENTE NESSE PERÍODO?
Werneck afirma que o excesso não está no poder de decisão, mas no fato de que os demais ministros só poderão analisá-la após a retomada dos trabalhos. “Bastante tempo vai se passar até que o colegiado tenha chance de se pronunciar sobre aquilo, o que é em si uma dimensão na qual não há controle”, diz.
“O poder que o presidente tem não é diferente do relator nesse caso. O que está acontecendo é uma centralização no presidente de um poder que é disperso entre os diferentes relatores, a princípio”, completa.
A professora Fabiana Luci concorda que não exista um poder excessivo durante esse período e afirma que decisões importantes também são tomadas durante o plantão.
“Ele deixa apenas mais visível o poder individual de ministros, no caso do presidente e da vice, que têm a competência de responder a questões urgentes no recesso. Dado o cenário da pandemia de Covid-19, decisões sobre vacinação e outras medidas de contenção da pandemia, o Supremo pode vir a ser bastante acionado.”
Esse poder, porém, será limitado neste ano, uma vez que 4 dos 11 ministros do STF abriram mão do recesso e das férias. Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski comunicaram à presidência do STF no primeiro dia de recesso da corte que vão despachar durante o período.
É POSSÍVEL COMPARAR O RECESSO DO CONGRESSO E DO STF COM PARLAMENTOS E CORTES DE OUTROS PAÍS
Especialistas ouvidos pela Folha ponderam que parlamentos e cortes têm dinâmicas de funcionamento que diferem da realidade brasileira.
Em relação ao Congresso Nacional, Galdino explica que é preciso observar o período eleitoral de cada país. “Nos Estados Unidos, por exemplo, há eleições a cada dois anos para a Câmara dos Deputados, o que significa que eles estão longe de Washington. Em países parlamentaristas, pode ter dissolução do parlamento e eleições antecipadas. Então, não é tão trivial fazer essa comparação”, diz.
Sobre o Supremo, a pesquisadora do Supremo em Pauta Ana Laura Barbosa lembra que a comparação é difícil pois não há uma noção única de Suprema Corte. “Há uma diferença entre as cortes que são só constitucionais e aquelas que além disso fazem mais coisas, caso do Brasil”, diz.
Além disso, ela afirma que é preciso verificar o volume de trabalho ao longo do ano, citando que no STF há duas sessões semanais, além de atividades no plenário virtual, sessão de turmas e casos de repercussão geral analisados.
Werneck diz ainda que outro diferencial do Supremo é que os processos são acompanhados pelo relator desde o início da tramitação, algo que não acontece em muitos tribunais.