SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, que atuava no Deops/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), foi sentenciado em primeira instância a 2 anos e 11 meses de prisão, em regime inicial semiaberto.
Segundo o MPF, trata-se da primeira condenação penal contra um ex-agente da ditadura militar por crimes políticos cometidos no período. Augusto participou do sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1971. O delegado aposentado poderá recorrer da decisão em liberdade.
A sentença foi proferida pelo juiz federal Silvio César Arouck Gemaque, da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo. É resultado de uma denúncia que o MPF ajuizou em 2012 contra o delegado e outros envolvidos. O responsável pela ação é o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.
Na sentença, a Justiça Federal reconheceu a responsabilidade penal do réu, comprovada “além de qualquer dúvida razoável” com documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo e diversos depoimentos de testemunhas.
“Há provas mais do que suficientes no sentido de que o acusado Carlos Augusto participou da prisão da vítima e atuava em pelo menos um dos locais onde se encontrava detida ilegalmente”, registrou o juiz federal.
“Em hipótese alguma, é admissível que forças estatais de repressão, mesmo em regimes como os vivenciados naquela época, tivessem autorização para a prática de atos à margem da lei em relação a Edgar, permanecendo preso por pelo [menos] dois anos, incomunicável, submetido a toda a sorte de violências, torturas e tratamentos degradantes. Ora, espera-se das forças de Estado o exercício legítimo do direito da força, não a prática de crimes”, ressaltou o magistrado. Ele frisou que a ação contra Edgar ocorreu no contexto de um “sistema de terror” implantado pelo Estado, que “prendia sem mandado, sequestrava, torturava, desaparecia e matava pessoas por suas posições políticas.”
Além de Carlos Alberto Augusto, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra ex-comandante do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do II Exército) em São Paulo e o ex-delegado Alcides Singillo também respondiam pelo sequestro de Duarte. Porém, eles deixaram de figurar como réus após falecerem em 2015 e 2019, respectivamente.
O caso teve ainda a participação de outras pessoas que permaneciam não identificadas ou também já haviam falecido quando o MPF ofereceu a denúncia, entre elas o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Edgar de Aquino Duarte foi preso no dia 13 de junho de 1971, sem qualquer ordem judicial que embasasse a ação. Na época, trabalhava como corretor da Bolsa de Valores de São Paulo e já não tinha nenhum vínculo com grupos de oposição à ditadura. Expulso da Marinha em 1964 em decorrência do Ato Institucional nº 1, ele havia deixado a militância política desde que retornara do exílio, em 1968.
Ainda assim, o ex-fuzileiro naval entrou no radar das autoridades após ter seu nome citado no depoimento de José Anselmo dos Santos. Preso dias antes de Duarte, o Cabo Anselmo hospedava-se no apartamento do ex-colega de Marinha e viria a se tornar um agente infiltrado dos órgãos de repressão, sob supervisão de Carlos Alberto Augusto. Duarte poderia ser uma ameaça à atuação clandestina do colaborador caso o reencontrasse, desconfiasse das circunstâncias de sua soltura e revelasse a outras pessoas a suspeita sobre a parceria entre Anselmo e os militares.
Augusto, conhecido na época como “Carlinhos Metralha”, participou diretamente da ação que resultou na prisão de Duarte e sua condução ao DOI-Codi. A detenção foi mantida sem comunicação judicial pelos dois anos seguintes. Neste período, a vítima foi sucessivamente transferida entre a unidade comandada por Ustra e o Deops/SP, onde Augusto e Singillo integravam a equipe de Fleury. Duarte foi visto por testemunhas pela última vez em junho de 1973.
Segundo o MPF, este é um dos poucos casos relacionados a crimes da ditadura que tiveram andamento na Justiça. A maioria das mais de 50 ações penais propostas pelo MPF nos últimos anos foi rejeitada ou está paralisada em varas federais de todo o país, em descumprimento a normas e decisões internacionais que obrigam o Brasil a investigar e punir quem tenha atuado no extermínio de militantes políticos entre 1964 e 1985.