Um estudo inédito com mais de 1,8 mil juízes mostra que, apesar do processo de transformação digital do Poder Judiciário e de sua aceleração na pandemia, a maioria dos magistrados vê com reserva o uso do formato remoto para atividades como vistorias, perícias, inspeções, estudos psicossociais e sessões do tribunal do júri.
No caso das sessões do tribunal do júri, 59,4% dos magistrados discordam da possibilidade de realização no formato virtual. No caso das vistorias, o número chega a 49,9%; os que concordam, entretanto, somam apenas 32,3%. Já as perícias médicas no formato não presencial enfrentam a discordância de 45,2% dos entrevistados; a parcela favorável, todavia, não ultrapassa 32%.
Por outro lado, na avaliação da maioria dos entrevistados, oitivas de testemunhas, depoimentos, audiências de mediação e conciliação e sessões de julgamentos podem transcorrer online sem prejuízos.
A pesquisa O exercício da jurisdição e a utilização de novas tecnologias de informação e de comunicação foi feita pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com o Laboratório de Acesso À Justiça e Desigualdade da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (LADES/UnB). Os resultados, obtidos em primeira mão pelo Estadão, serão divulgados na tarde desta sexta-feira, 13, no Congresso Brasileiro de Magistrados (CBM), em Salvador.
Magistrados de todas as regiões do País e todos os segmentos do Judiciário responderam ao questionário. O foco foi a transformação digital da prestação jurisdicional no Brasil e a aplicação de novas tecnologias de informação e de comunicação no dia a dia da Justiça.
Para 76,5% dos juízes, o acesso da população aos órgãos de justiça foi ampliado com a digitalização dos processos. Uma parcela de 79,1% dos entrevistados concorda que houve a diminuição dos custos do processo, enquanto 86,3% acreditam que as inovações simplificaram procedimentos.
“Nós já supúnhamos que o acesso do cidadão à Justiça havia sido ampliado pelas tecnologias da comunicação e informação. Sabemos agora que há também uma percepção de aperfeiçoamento das práticas de gestão acompanhado de uma redução de despesas”, explica a presidente da AMB, Renata Gil. “O grande desafio para a efetivação desse acesso é a oferta de internet de boa qualidade. Precisamos de políticas públicas que providenciem essa infraestrutura de conexão em todas as regiões do País”.
Outro ponto abordado é a fila de processos, um dos principais problemas da Justiça no Brasil. Na opinião de 87,5% dos juízes, as novas tecnologias permitiram economia de tempo na tramitação das ações.
“Nós verificamos que a incorporação de novas TICs no âmbito do Poder Judiciário é um processo que foi intensificado na pandemia, porém, é um movimento que lhe é anterior, inserido no bojo de um processo mais amplo que nos aponta que estamos diante de uma ‘Justiça’ em transformação”, afirma a professora Talita Rampin, uma das coordenadoras da pesquisa.
“Chamou atenção a necessidade de essas novas tecnologias atenderem diferentes perfis de usuários, de modo que sejam inclusivas e não reproduzam uma lógica capacitista e etarista em sua configuração e funcionamento, sob pena de constituírem novos obstáculos ao acesso à Justiça”, acrescenta a pesquisadora.
Outro benefício captado pelos magistrados foi o incremento da transparência no Poder Judiciário: para 74,4% dos juízes participantes, novos instrumentos possibilitaram o acompanhamento em tempo real de procedimentos nos tribunais.
O levantamento apontou ainda que, desde o surgimento do Processo Judicial Eletrônico (PJE), diferentes sistemas de gestão foram criados, com baixa interoperabilidade entre eles.
Perguntados se “os sistemas utilizados compartilham informações/conversam entre si”, 18,5% dos juízes “concordaram totalmente” e 24,7% “concordaram”. Não obstante, 10,9% “discordaram totalmente” e 21,2% “discordaram”.
“Apesar disso, a pesquisa identificou que diferentes estratégias vão sendo desenvolvidas localmente, de modo que a escolha das TICs utilizadas considera as especificidades do contexto, nelas incluídas a qualidade de conexão à internet”, observa Talita Rampim.