SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ex-presidente e ex-patrono da escola de samba Unidos da Vila Isabel, Bernardo Bello Barbosa diz que a tentativa de delação premiada de Júlia Mello Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega, é “uma farsa”. Júlia acusa Barbosa de ter sido sócio de Adriano no Escritório do Crime e o mandante de pelo menos dez mortes executadas pelo ex-policial. Ela já gravou depoimentos para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo Bello, a viúva se associou à ex-cunhada dele, Shanna Harrouche Garcia, com quem está rompido, para “criar um fantasma” e proteger “alguém”. Adriano da Nóbrega foi segurança da família de Shanna, historicamente ligada à contravenção e ao Carnaval do Rio. “Eu afirmo veementemente que a Júlia está mentindo”, disse Bello em entrevista à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
Um dos trunfos que a defesa de Bello acredita ter é o pedido de conservação da gravação de uma conversa entre ele e o atual marido de Júlia, o empresário Eduardo Giraldes. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é citado no diálogo.
Bello e Giraldes se encontraram em junho, antes que a proposta de delação de Júlia Lotufo viesse a público.
Investigada em processo que tramita na 1ª Vara Criminal Especializada do Rio, ela é acusada de lavagem de dinheiro a serviço da milícia. Está em prisão domiciliar, de tornozeleira, e tenta uma delação premiada para se livrar de eventuais penas e deixar o Brasil com o novo marido.
Na conversa com Giraldes, Bello afirma que os promotores não estariam interessados nele (“é óbvio que o que querem não é o bobalhão aqui”), mas sim que a viúva do miliciano “fale de [Jair] Bolsonaro”.
O capitão Adriano era ligado à família do presidente e foi citado na investigação que apura a prática conhecida como “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual pelo Rio de Janeiro. A mãe e a primeira mulher do miliciano trabalhavam com o parlamentar e teriam repassado parte de seus salários ao esquema.
“Não vai falar”, responde Giraldes sobre Bolsonaro. “Se ela souber, e ela quiser falar”, emenda Bello. “Mas se souber, eu também não vou deixar ela falar”, segue Giraldes.
Bernardo diz então acreditar que, se citar Bolsonaro, vão acabar com Júlia “de verde, amarelo, azul e branco”. “Se ela não quiser falar… meu irmão, até porque, sabe por quê? Vai acabar com a vida dessa menina”, afirma o ex-presidente da Vila Isabel. O marido de Júlia concorda: “E com a minha”.
O diálogo mostraria, segundo a defesa de Bello, que a tentativa de colaboração da viúva não reflete o que ela de fato sabe e viveu. Adriano da Nóbrega foi morto em 2020 numa operação policial e, segundo relato de seu advogado, Paulo Emilio Catta Preta, temia ser alvo de “queima de arquivo”.
A conversa de Bello com Giraldes poderia ainda endossar o argumento da defesa de que Bello não tinha proximidade e muito menos associação com o capitão Adriano.
O empresário repete isso em diversos momentos da conversa com Giraldes que, por sua vez, afirma na gravação que Júlia “não tem nada contra” Bello.
Uma parte da gravação foi divulgada pelo site Brasil de Fato na semana passada. A coluna teve acesso a outros trechos, inéditos, da conversa.
Bello confirmou à Folha de S.Paulo o conteúdo do diálogo, inclusive as falas do trecho em que o presidente Bolsonaro é citado. Seu advogado, Fernando Fernandes, afirma que pedirá uma perícia do registro.
Giraldes, por sua vez, enviou mensagem à coluna afirmando: “A gravação que foi vazada para a mídia não retrata a íntegra da gravação, e a forma colocada na mídia deturpa e manipula os fatos. A defesa só vai se manifestar mediante publicação da gravação na íntegra”.
As tratativas de Júlia Lotufo com o Ministério Público do Rio de Janeiro para fazer delação começaram em junho. O condomínio onde ela vive, na Barra da Tijuca, é monitorado pela polícia e ela diz temer ser assassinada. A proposta de delação dividiu o MP-RJ: uma parte de seus integrantes vê as declarações dela com reserva.
Apesar da proximidade já confirmada de Adriano com a família Bolsonaro, Júlia não fala do esquema de “rachadinhas” no gabinete de Flávio Bolsonaro em sua proposta de delação. Ela poupa ainda Fabrício Queiroz, amigo e ex-assessor da família Bolsonaro, próximo do capitão Adriano e suspeito de coordenar o esquema das “rachadinhas”.
A proposta de acordo de delação apresentada por Júlia ao MP tem 12 anexos. Além de apontar Bello como principal sócio de Adriano, a viúva afirma que ele chegou a procurar o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel para falar sobre a conveniência de o miliciano ser morto, e não preso, caso fosse encontrado pela polícia (ele estava foragido). Júlia diz que ouviu a história do próprio Adriano.
O ex-governador nega e diz que nunca tinha ouvido falar de Bello. O empresário, por sua vez, afirma que a história não tem pé nem cabeça e que jamais viu o governador.
Júlia Lotufo cita ainda autoridades do Judiciário e do MP que receberiam propina para acobertar crimes. E aponta um suposto mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Segundo a viúva, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras procurou Adriano para sondá-lo sobre a possibilidade de ele executar a vereadora. O capitão teria rechaçado de imediato e não teria participado do plano. A encomenda teria partido do ex-vereador Cristiano Girão –que nega envolvimento no assassinato.
Como cita autoridades que têm prerrogativa de foro, a proposta de colaboração de Júlia Lotufo foi encaminhada à PGR (Procuradoria-Geral da República). O STJ, que pode ou não homologá-la, diz que ela ainda não foi enviada à corte.