BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O general do Exército e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello disse à Polícia Federal nesta quinta-feira (29) que o pedido do presidente Jair Bolsonaro para que fossem investigadas suspeitas de irregularidade na compra da vacina indiana Covaxin chegou a ele de maneira informal.
Por essa razão, afirmou Pazuello aos investigadores, o caso não recebeu o devido tratamento do ministério. Na época, órgãos de investigação não foram acionados pelo governo.
Pazuello explicou à PF que coube ao então secretário-executivo da pasta, coronel Elcio Franco, averiguar o assunto e que nada de irregular foi constatado.
A versão coincide com o que Bolsonaro tem dito sobre o caso. “Eu conversei com o Pazuello: ‘Pazuello, tem uma denúncia aqui do deputado Luis Miranda que estaria algo errado acontecendo. Dá para dar uma olhada?’. Ele [Pazuello] viu e não tem nada de errado”, afirmou o presidente da República.
O ex-ministro foi interrogado pela PF em dois inquéritos. No primeiro, respondeu a perguntas sobre a denúncia de prevaricação atribuída ao presidente pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e pelo seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde.
No outro, o militar respondeu a questionamentos sobre as suspeitas de irregularidade no processo de compra da Covaxin.
Pazuello chegou à sede da PF em Brasília por volta das 9h45 e deixou as dependências do órgão às 14h. Entrou e saiu pela garagem sem falar com a imprensa. Ele estava acompanhado de representante da AGU (Advocacia-Geral da União).
Quando a vacina foi negociada com o laboratório Bharat Biotech, ele era o titular da Saúde. Após as suspeitas de irregularidades, que envolvem o alto escalão da pasta na gestão Pazuello, o Ministério da Saúde anunciou a suspensão do contrato.
A compra foi intermediada pela Precisa Medicamentos. Há indícios de favorecimento a ela nas tratativas com o governo. Além da PF, o Ministério Público Federal e a CPI da Covid no Senado investigam o caso.
A Precisa tem como sócio o empresário Francisco Maximiano, apontado como pessoa próxima ao líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
Maximiano é dono também da Global Gestão em Saúde, empresa que já teve contratos com o Ministério da Saúde.
A Global é alvo de ação de improbidade administrativa apresentada pela Procuradoria da República no Distrito Federal à Justiça sob a acusação de vender medicamentos de alto custo, mas não entregá-los. Foi apontado um prejuízo de R$ 20 milhões aos cofres públicos.
As irregularidades ocorreram no período em que a pasta era comandada por Barros, entre 2016 e 2018, no governo Michel Temer (MDB). O deputado é alvo também da ação de improbidade do MPF e da CPI.
No caso da suposta prevaricação de Bolsonaro, o presidente é investigado em inquérito autorizado pela ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber. A magistrada atendeu pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) para investigar o caso. A solicitação da Procuradoria, porém, só foi feita após pressão de Rosa.
Isso porque, inicialmente a PGR havia pedido para aguardar o fim da CPI da Covid para se manifestar sobre a necessidade ou não de investigar a atuação do chefe do Executivo neste caso.
A ministra, que é relatora do caso, porém, rejeitou a solicitação e mandou a PGR se manifestar novamente sobre o caso.
Em uma decisão com duras críticas à PGR, a magistrada afirmou que a Constituição não prevê que o Ministério Público deve esperar os trabalhos de comissão parlamentar de inquérito para apurar eventuais delitos.
“Não há no texto constitucional ou na legislação de regência qualquer disposição prevendo a suspensão temporária de procedimentos investigatórios correlatos ao objeto da CPI”, disse.
Segundo a ministra, “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.
O depoimento de Bolsonaro, porém, ainda depende de uma deliberação do plenário do Supremo sobre o modelo da oitiva do chefe do Executivo. Isso porque, o presidente também é alvo de um inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentou violar a autonomia da Polícia Federal e a investigação está travada desde setembro do ano passado devido a um impasse em relação ao modelo do depoimento a ser prestado pelo chefe do Executivo.
O presidente pediu ao STF para que possa prestar o depoimento por escrito, mas o plenário da corte ainda não definiu se ele tem essa prerrogativa ou se deve depor presencialmente.
O jornal Folha de S.Paulo revelou em 18 de junho o teor do depoimento do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda à Procuradoria da República no DF. Ele relatou pressão atípica recebida de superiores hierárquicos para a concretização do negócio.
A suspeita é que a aquisição da vacina, concretizada em fevereiro, foi feita em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e por prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15) a dose.
Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer, que custava US$ 10 a dose.
A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado Luis Miranda dizer que o presidente fora alertado por eles em março sobre irregularidades.
Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a PF. A CPI, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a polícia.
No depoimento prestado à PF neste mês, Luis Ricardo Miranda afirmou que não tem cópia de segurança das mensagens de WhatsApp cujo teor, sustenta ele, mostra pressão recebida por dirigentes da pasta pela compra da vacina indiana. Ricardo disse que trocou o celular e não providenciou backup.
Ele reforçou na polícia o relato feito no mês passado à CPI, segundo o qual durante o processo de compra recebeu diversas mensagens e ligações de seus superiores.
O servidor público também forneceu aos investigadores detalhes sobre a conversa de março com Bolsonaro. Ele disse que o chefe do Executivo fez anotações, inclusive nomes.