A máfia das Organizações Sociais de Saúde se associou a integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) para transportar dinheiro desviado de hospitais e unidades de saúde. Os policiais cuidavam da segurança do transporte do dinheiro para impedir que a organização criminosa fosse roubada na Grande São Paulo enquanto integrantes da facção faziam o mesmo trabalho no interior paulista.
Interceptações telefônicas feitas pela Operação Raio X mostram que um grupo de PMs do batalhão trabalhava para Moizes Constantino Ferreira Neto. Administrador do hospital Antonio Giglio, em Osasco, na Grande São Paulo, Ferreira Neto foi recrutado para o grupo pelo médico Cleudson Garcia Montali, condenado a 200 anos de prisão como líder da organização criminosa que atuava em quatro Estados, desviando cerca de R$ 500 milhões.
A segurança de Ferreira Neto estava a cargo do sargento Marcelo dos Santos Ferreira e de outros três policiais da Rota. Em novembro de 2019, o policial fez, a pedido do chefe, um depósito de R$ 327 mil na conta de um outro investigado no caso – o dinheiro era uma das parcelas do pagamento de uma fazenda. Outro PM – Diogo Barbosa Medeiros – foi flagrado nos áudios transportando dinheiro para a organização e planejando uma vingança contra criminosos que roubaram o carro de um filho de Ferreira Neto.
‘NÍVEL’. A atuação de policiais e de criminosos era abertamente comentada pelos integrantes da organização. Em novembro de 2019, Regis Pauletti, apontado como o operador financeiro de Cleudson, se divertia ao telefone, ao falar no “nível” de um dos seguranças contratados pela OSS Pacaembu para trabalhar no Hospital de Carapicuíba.
Responsável pela formalização da contratação, sua interlocutora relatava que o candidato à vaga não tinha documentos formais. “Falou que o título de eleitor, ele teve que entregar, que a pessoa só ia devolver ‘pra’ ele, quando ele pagasse uma dívida”, disse em conversa interceptada. “Ele perdeu a habilitação faz mais de 20 anos. Dirige sem habilitação”, completou. Bem-humorado, Pauletti afirmou: “Na verdade, ele ‘tá’ por segurança… Então ‘cê’ vê o nível, né?”
O contratado era Genílson Amorim, que dividiria a atividade de “segurança” com serviços prestados ao PCC. A rotina de Amorim envolvia compra e venda de armas e drogas e outros crimes. Por telefone, ele prestava regularmente contas aos colegas presos. Em uma de suas ligações, naquele mesmo mês, tratou com outros integrantes sobre o enterro de um “colega” em Mato Grosso do Sul. “O irmão manda a conta”, disse Amorim ao colega da facção.
Em outra oportunidade, ele foi flagrado conversando com um “resumo” da sintonia final, a cúpula do PCC, o integrante da facção que faz o controle de pessoas, armas e atividades do grupo. Amorim fornece informações sobre quem está preso e quem está em liberdade no interior paulista, no Maranhão e em Roraima. No dia seguinte encomenda uma peça “do verde”. Segundo a polícia, era maconha. “Manda uma amostra ‘pra’ mim e ‘pro’ menino ali, tá querendo pegar uns carros na treta.” Também foi monitorado comprando um revólver calibre 357 que o interlocutor ganhara “de presente”. “Quanto vale o ‘baguio’?” O vendedor responde: “Se fosse meu, ‘cinco pau’ vendia essa caminhada.”
Até carga roubada passava por suas mãos. Um interlocutor procura o suspeito para saber se ele havia “ajeitado o menino da moringa”. Segundo a polícia, trata-se de alguém que desligue o rastreador de um caminhão. “Deixa ele meio que no jeito que o cara me ligou ali ‘pra guardá’ um ‘baguio’ de carne lá hoje”, afirma o interlocutor.
Amorim acompanhava o médico Cleudson em negociações e entregas de dinheiro. Em fevereiro de 2020, ele foi flagrado ao lado de Cleudson buscando R$ 120 mil em Curitiba que teriam sido desviados por meio de uma das empresas prestadoras de serviços de hospitais.
CORONÉIS. A quadrilha também se valia de coronéis da PM. Um deles, Wilson Carlos Braz, foi preso. Braz faria parte do núcleo político do grupo – ele era secretário da Saúde de Penápolis (SP) e teria favorecido a organização em licitações, além de fraudar documentos para esconder desvios de dinheiro. Segundo os investigadores, Braz era “um escudo de proteção para acobertar as práticas ilícitas de Cleudson. Também resolvia problemas de ordem política que porventura recaíam sobre as Organizações Sociais”.
Além dele, a Operação Raio X detectou a contratação de oficiais da PM paulista pela organização com a finalidade de administrar hospitais em Belém. Entre eles estaria o coronel Eurico Alves Costa Júnior, indicado por Braz. Costa Júnior foi fotografado em um aeroporto de Curitiba recebendo uma maleta de Cleudson na qual haveria R$ 115 mil. O coronel disse que não sabia do dinheiro.
O Estadão procurou a defesa dos acusados, mas não conseguiu localizá-las. A PM informou que os homens da Rota estão afastados das atividades operacionais e são alvo de apuração da Corregedoria. “Os coronéis Wilson Carlos Braz e Eurico Alves Costa Júnior não integram mais o quadro de policiais da ativa da PM desde 2013 e 2018, respectivamente.” Segundo a PM, por decisão da Justiça, Braz foi colocado em liberdade, deixando o presídio militar Romão Gomes. “A Corregedoria acompanha os desdobramentos das investigações.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.