O PL, partido de Jair Bolsonaro, vem tendo dificuldades para atender o pedido do presidente que quer contratar empresa privada para fazer auditoria nas eleições. Dirigentes da legenda admitem que há limitações legais para a fiscalização externa das eleições e não sabem nem se há no mercado empresa com conhecimento suficiente para realizar a tarefa.
Bolsonaro defendeu a contratação de auditoria privada ao falar em suas redes sociais há duas semanas. A legislação eleitoral estabelece que qualquer partido pode atuar na fiscalização do pleito. Cabe às legendas atuar nas seções eleitorais, conferir os boletins impressos pelas urnas eletrônicas e questionar judicialmente toda vez em que considerar que houve alguma falha durante a votação.
Segundo esses interlocutores de Bolsonaro, o presidente também sabe dessas limitações. Quando defendeu a contratação da auditoria, o próprio presidente deu a senha do que poderia acontecer. “Antes das eleições, ela (a empresa) pode daqui a 30, 40 dias, chegar à conclusão de que, dado a documentação que tem na mão, ela pode falar que é impossível auditar e não aceitar fazer o trabalho. Olha a que ponto nós vamos chegar”, declarou Bolsonaro em transmissão ao vivo em suas redes sociais.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem repetindo que o sistema de voto eletrônico é o único modelo auditável porque permite verificar, a partir dos boletins impressos por cada urna, se a totalização feita posteriormente corresponde aos votos efetivamente registrados. Ao final da votação, as urnas emitem um boletim que vem com QR Code. Após a totalização dos dados nacionais pelo TSE ainda é possível verificar se os votos que a urna registrou em qualquer seção eleitoral estão fielmente reproduzidos pela Corte.
O ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira, que hoje trabalha como advogado do PL, admitiu que ainda não há clareza sobre se há no mercado uma empresa com condições de realizar auditoria segundo os desejos de Bolsonaro. “Ele tem preocupações dentro de uma trajetória política, enquanto parlamentar ele defendeu voto impresso. É um debate que, gostemos ou não, é próprio da democracia. Não pode ser um tabu aumentar a transparência do processo eleitoral”, disse Tarcísio ao Estadão.
Por outro lado, o advogado também reconhece as dificuldades em adotar uma auditoria privada e já descarta de pronto tentar qualquer tipo de interferência no sistema eletrônico da urna, algo que já foi defendido por Bolsonaro e apoiadores. “O que pode ser discutido é metodologia. É evidente que ninguém quer a fórmula da Coca-Cola e não faz sentido abrir isso para quem quer que seja, mas fiscalização é algo que deveria ser estimulado em alto grau”, afirmou.
Tarcísio declarou que o partido busca saber a viabilidade, tanto na questão da capacidade técnica da empresa, quanto do preço que pode ser cobrado. “Primeiro, o partido está avaliando se existe alguma empresa totalmente capacitada para depois não surgir alegação de que houve contratação de uma empresa mambembe. O segundo é o custo, evidente que pode se tornar inviável a contratação”, declarou.
Em live nas redes sociais no último dia 5, Bolsonaro questionou a confiança das urnas. “A empresa vai pedir ao TSE uma quantidade grande de informações. O que pode acontecer? Essa empresa que faz auditoria no mundo todo, empresa de ponta, pode chegar à conclusão que, dada a documentação que se tem na mão, dado ao que já foi feito, ela pode falar que não foi auditável. Olha a que ponto vamos chegar”, disse.
O advogado do PL minimizou a possibilidade de Bolsonaro tumultuar o processo eleitoral. “Se vai haver exploração política disso ou daquilo, a ordem jurídica tem meios para combater isso. A gente não vai, por conta do extraordinário, deixar de fazer o básico”, afirmou.
De acordo com o ex-ministro, o TSE adotou novas resoluções para as eleições de 2022 que aumentam significativamente a transparência do processo. Entre as medidas citadas por ele estão a divulgação dos boletins com os resultados de cada seção eleitoral na internet imediatamente após o fechamento das urnas.
Nas eleições anteriores, a divulgação desses números podia demorar dias para ser informatizada. Com o resultado de cada seção, é possível que qualquer pessoa faça a soma dos votos e verifique se a totalização é a mesma que a divulgada pela Justiça Eleitoral. Além disso, com a soma das urnas, também é possível saber o resultado antes da divulgação oficial.
“A resolução (do TSE) é extremamente detalhada, tem pelo menos oito fases de fiscalização. Tem algumas que são feitas dentro do TSE, com fiscalização do TSE sobre os auditores, sem gravação de imagem. Outras que são feitas em campo”, elogiou o advogado do partido de Bolsonaro.