BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Diante do crescente desgaste do governo Jair Bolsonaro (sem partido) com os demais Poderes, o Palácio do Planalto já admite que é inviável a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso na comissão especial que avalia a matéria.
O próprio presidente admitiu a previsão de derrota na sexta-feira (23) ao conversar com apoiadores no Palácio da Alvorada.
“Na comissão, não passa”, afirmou o mandatário. “O que a gente quer é jogar dentro das quatro linhas da Constituição e queremos eleições limpas. Eleições que não sejam limpas não são eleições”, afirmou o presidente, que nunca apresentou nenhum indicativo concreto de fraude em eleições.
Embora bolsonaristas digam acreditar em uma esperança de reversão em plenário de uma provável derrota no colegiado, auxiliares diretos do presidente já fizeram contas e dizem que essa hipótese é difícil.
Bolsonaro e sua tropa de choque atribuem o cenário desfavorável ao que consideram uma interferência do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, que se tornou alvo de críticas e xingamentos do chefe do Executivo. Bolsonaro também passou a fazer ameaças golpistas, colocando em dúvida a realização do pleito de 2022.
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) articularam com 11 partidos um movimento contra a mudança na urna eletrônica e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema na Câmara.
Bandeira do bolsonarismo, o voto impresso quase foi derrotado na última reunião do primeiro semestre na comissão especial da Câmara, mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho.
No colegiado, a votação da PEC ocorre por maioria simples. Caso a proposta seja derrubada, cabe ao presidente da comissão designar um outro relator para elaborar um parecer pela rejeição.
Mesmo com derrota na comissão, o tema ainda pode ser deliberado pelo plenário. No entanto, um voto contrário no colegiado é um sinal político forte, que dificilmente é revertido.
Mesmo que avance com parecer favorável na comissão especial, para aprovar uma PEC em plenário são necessários ao menos 308 votos na Câmara (de um total de 513 deputados) e 49 no Senado (de um total de 81 senadores), em votação em dois turnos.
Para valer para as eleições de 2022, a proposta teria que ser promulgada até o início de outubro.
A polêmica do voto impresso chegou às Forças Armadas graças ao ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.
Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada na quinta-feira (22) afirma que o ministro teria mandado um recado por meio de um interlocutor ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que, sem a aprovação do voto impresso, não haveria eleições em 2022.
De acordo com o jornal, Lira teria dito ao interlocutor que não participaria de nenhuma ruptura institucional. Abordado por jornalistas ao chegar ao Ministério da Defesa, Braga Netto chamou a reportagem de “mentira, invenção”.
Ao se manifestar sobre o assunto, o general leu uma nota que espelha o discurso do chefe, afirmando que existe no país uma demanda por legitimidade e transparência nas eleições.
Segundo ele, mais uma vez levantando uma bandeira bolsonarista, a discussão sobre o “voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima”.
“Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias”, afirmou o militar.
“A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo governo federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”, afirmou, em um recado indireto a ministros do STF.
O recesso parlamentar dificulta a leitura política do governo sobre as consequências da entrada de Braga Netto, publicamente, nas discussões sobre eleições 2022.
A coluna Painel, da Folha de S.Paulo, mostrou na sexta-feira que, na avaliação de integrantes do centrão, do STF e até de auxiliares de Bolsonaro, a nota lida por Braga Netto um dia antes negando ameaças golpistas, mas se imiscuindo na pauta do voto impresso, o expôs ainda mais e acabou se mostrando um tiro no pé, já que a contrariedade em relação à proposta cresceu e ganhou apoio popular.
Além disso, o comportamento teria evidenciado certa subserviência do general ao presidente.
Em certos grupos do Judiciário e do Legislativo cresce a avaliação de que é preciso afastar militares de decisões políticas.
A insatisfação com os militares em postos do governo não é nova. Os primeiros sinais surgiram ainda no ano passado por causa da atuação do general Eduardo Pazuello como ministro da Saúde no enfrentamento da pandemia de Covid-19.
O perfil mais político de Braga Netto à frente da Defesa também já causava insatisfação entre civis e militares, principalmente os fardados mais jovens, que veem a aproximação das Forças Armadas com a política trazer de volta à sociedade o fantasma da ditadura militar.
Braga Netto substituiu o general Fernando Azevedo e Silva, demitido do Ministério da Defesa em março diante da insatisfação de Bolsonaro por não ter do militar o apoio político que desejava.
O general Luiz Eduardo Ramos, que comanda a Casa Civil, foi rebaixado para o comando da Secretaria-Geral da Presidência após pressão do centrão, que pode chefiar a principal pasta do governo. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) foi convidado para o cargo.