RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou nesta quinta-feira (19) um policial militar pela prática de tortura contra o ex-governador Anthony Garotinho dentro de um presídio do estado.
As agressões foram relatadas pelo ex-governador em novembro de 2014, quando ele foi preso pela terceira vez, sob acusação de corrupção envolvendo um suposto repasse ilegal de R$ 3 milhões da JBS para sua campanha eleitoral de 2014 ao governo do estado.
Ele foi solto dias depois por decisão da Justiça no mesmo ano. Seria preso uma quarta vez em 2019, e também solto por determinação judicial.
De acordo com o MP-RJ, as agressões foram cometidas pelo policial militar Sauler Campos de Faria Sakalem na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica. A Promotoria afirma que o agente o agrediu com golpes de bastão semelhante a um taco de beisebol e o ameaçou de morte.
O ataque, segundo a denúncia, ocorreu por volta das 1h50. O PM, relata a Promotoria, ingressou na cela do ex-governador com o bastão e uma arma na cintura.
“Após dizer que o político ‘gostava de falar muito’, desferiu um golpe com o bastão no joelho de Garotinho, que curvou-se de dor. Após a agressão, o denunciado sacou a arma da cintura e disse as seguintes palavras, antes de pisar no pé da vítima, causando-lhe outra lesão: ‘Só não vou te matar para não sujar para o pessoal aqui do lado’, referindo-se a outros presos custodiados no local”, afirma o MP-RJ.
A Folha não conseguiu contato com a defesa do PM.
As agressões foram relatadas no dia 24 de novembro de 2017 pelo então advogado do ex-governador, Carlos Azeredo, nos mesmo termos apresentados quase quatro anos depois pelo MP-RJ.
Na ocasião, a cadeia de Benfica abrigava, além de Garotinho, o ex-governador Sérgio Cabral. Enquanto o primeiro ficava na galeria A, o segundo estava na C.
Imagens divulgadas pela Secretaria de Administração Penitenciária na ocasião não mostrava ninguém entrando na cela do ex-governador no momento da tortura relatada. Agentes declararam à imprensa que o político se auto agrediu para forçar a transferência para Bangu 8, o que acabou ocorrendo.
Contudo, perícia realizada em 2018 pelo MP-RJ mostraram que os vídeos do circuito interno da cadeia foram editados.
De acordo com a Promotoria, o conjunto de gravações do caso apresentou “interrupções atípicas”, imagem congelada e evidência de “interferência humana” na captação dos vídeos.
O vídeo disponibilizado pela Seap para a imprensa mostrava uma gravação até as 22h58 do dia 23, retornando à 1h56, com Garotinho batendo palmas para chamar os agentes e relatar a suposta agressão. A pasta declarou na ocasião que o sistema paralisa a captação de imagens quando não há movimento.
A perícia do MP-RJ, contudo, afirma que há evidência de “interrupções atípicas caracterizadas por corte durante a movimentação de pessoas na área de captura da câmera”. O trecho se refere à câmera 4, que filmava a galeria B.
“O ponto-chave da interferência humana como fator determinante na inatividade das câmeras é notado pelo corte em meio ao movimento de um agente que transita no pátio. Ou seja, o sistema que durante todo o tempo grava até mesmo nuances de luminosidade é cortado bruscamente no meio do percurso do movimento que justamente é o gatilho da gravação”, diz a perícia.
Outro indício de manipulação encontrado foi o congelamento da câmera 3, que também filma a galeria em que estava Garotinho naquela noite. Enquanto a 4 registrou o bater de palmas do ex-governador para chamar os agentes, a 3, virada para o mesmo local, não filmou o movimento.
“Outra incompatibilidade pode ser verificada no arquivo Câmera3_20171124000454, câmera 03, localizada na Galeria B, onde se nota o prosseguimento da gravação no período de 00:05:02 até 01:53:27, apesar da ausência de movimento – imagem congelada. Comparando o conteúdo analisado nos arquivos Câmera4_20171123170859 e Câmera3_20171124000454, ambos na Galeria B, nota-se que a câmera 4 registra o bater de mãos do preso, fato que não é observado no mesmo horário da câmera 03, confirmando tecnicamente o congelamento da imagem da câmera 3”, diz o documento.
A perícia aponta ainda que o acesso à galeria C tinha um “ponto cego” no videomonitoramento da cadeia.