Não há quem duvide que o amor seja um sentimento nobre e universal. Os gregos
antigos tinham muitas palavras para defini-lo, tais como Eros, Ágape ou Philos e cada
uma delas carrega um significado diferente.
Gal Costa e Erasmo Carlos cantavam músicas de amor. Erasmo levou um
Grammy Latino em 2022, dias antes do seu falecimento e, na ocasião, disse: “existem
várias formas de amor, e eu preciso de todas”. Eu também preciso de todas.
O filósofo grego Platão dizia que “o amor era algo essencialmente puro e
desprovido da paixão” e de tão excepcional, é uma emoção impossível de alcançar. No
meu entendimento, a paixão é aquele arroubo de desejo por um projeto, coisa ou pessoa,
momentos de insanidade e inconsequência, já o amor, propriamente dito, é um estado de
permanência, de estabilidade, de lucidez.
Conheci o que é ser apaixonada por alguém muito cedo. Desde pequena, sempre
tinha algum menino ocupando meu coração, para desespero do ciumento do meu pai e do
meu marido, que queria que eu o tivesse conhecido na maternidade. Pois é, o ciúme, o
apego e o medo da perda, muitas vezes, acompanham vários tipos de amor. Por engano
ou inocência, eu achava que as paixões da juventude seriam eternas. Ser apaixonada me
custou um bocado de sofrimento, de todo tipo e grau. Dos mais leves e ridículos aos mais
sufocantes, incapacitantes e aprisionadores. Mas todos valiosos.
As músicas da Gal são apaixonadas, em uma delas, a cantora diz que morreria de
amor: “Por amar tanto assim, a minha vida é um tormento, vou chorando minhas mágoas,
até quando eu não sei. Se é verdade que o amor mata, de amor eu morrerei”. Será que ela,
de fato, morreu de amor? Não importa, pois morrem as pessoas, mas não morre o amor.
Nem o legado que os seres amorosos deixam de herança.
Misturar amor com paixão é complexo. O sexo, em si, pode ser somente uma
experiência física, corpórea, relacionada à procriação ou ao prazer e destituída de sentido.
Quando se conecta ao amor, aprimora suas qualidades, amplia o prazer físico e isso o
eleva a outras dimensões mais afetivas. Se feito com paixão é intenso e, às vezes, insano.
E se todas essas instâncias se juntam, a experiência tende a ser sublime. Sorte dos que
experimentam e realizam o sexo com amor e paixão.
Eu tenho um amor sublime que começou como uma paixão avassaladora, de filme,
de livro, de doer e que virou permanência e persistência. Amor tipo Eros e o pilar que me
sustenta. É como uma estrutura forte, mas tão forte, que tem resistido a todo tipo de
intempéries. Sorte a minha. Dele nasceu o amor de mãe, meu bem mais valioso, o maior
de todos, a personificação do grau máximo de amor que já experimentei. Amor, que é
sentido e vivido todos os dias e que não muda, mesmo oscilando entre apaixonamento
cego, desespero, cansaço, orgulho, medo, gratidão e saudade.
Os amores de natureza não erótica, amor Ágape (destinado a todos os seres e
coisas) e Philos (amor fraterno) são meu combustível diário. E nesse enredo amoroso da
vida, eu incluo algumas paixões. Escrever é uma delas, uma aventura que não se dá em
mar calmo. Coração acelerado e inquieto em um misto de coragem e transtorno. É um
jeito de expressar o amor que existe de sobra em mim, mas nem sempre é fácil demonstrar.
A paixão é piegas. De palpitação à angústia, tudo isso sente-se no peito. Às vezes,
sobe até os olhos e transborda. A entrega é tão grande que o objeto da paixão tem mais
valor que a própria pessoa que a sente. A paixão é larápia, rouba a atenção e monopoliza
o foco.
Só há amor ao próximo caso exista amor-próprio. É uma relação diretamente
proporcional. Quem não se ama não sente o amor do outro.
Em alguns momentos da vida, tomada pela Depressão (com letra maiúscula e
diagnóstico médico, tratada com medicação e terapia) eu me desapaixonei. Nesse caso,
ao invés de estar cheia de paixão, fiquei apaixonada pela preguiça, fiquei vazia,
desanimada, melancólica, covarde e triste.
Assim como o Erasmo, “eu não quero mais conversa com quem não tem amor.
Gente certa é gente aberta, se o amor me chamar eu vou”. E quando morre algo ou alguém
que a gente ama, temos vontade de ressuscitá-lo. Desde que Gal morreu, me pego ouvindo
sua voz cantando a música, “O amor”, tradução do poema do russo Maiakovski, que é
mais lindo ainda que a música: “ressuscita-me, quero acabar de viver o que me cabe,
minha vida, para que não mais existam amores servis”.