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CotidianoOlimpíadas, insônia e outras paradas emocionais

Olimpíadas, insônia e outras paradas emocionais

Nossa vida parece uma competição olímpica. Corremos desesperadamente atrás de medalhas, estamos sempre querendo quebrar recordes

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Fabiana Guerrelhas, terapeuta analítico-comportamental (Foto: Arquivo Pessoal)

Shoyu, cheiro de lavanda e jogos olímpicos me tiram o sono. Se eu comer sushi
no jantar, é batata, passo a noite rolando pra lá e pra cá. Vai ver que o sódio me dá sede,
pois acordo muitas vezes para beber água. Dizem que pingar uma gota de óleo essencial
no travesseiro nos faz dormir melhor, mas para mim tem o efeito inverso. Cheiros intensos
me irritam e aguçam a minha rinite. Um dia desses, exageraram na essência de lavanda
no edredom que foi para a lavanderia. Resultado: noite em claro, por causa do nariz
entupido e dos espirros intermináveis. Pelo menos esta insônia foi produtiva, já que depois
de tirar o edredom e levá-lo para bem longe de mim, desisti de tentar dormir e escrevi
esta crônica, coisa que eu ando tendo bastante dificuldade ultimamente, o que, aliás, tem
atrapalhado minhas noites. 

Maldita insônia! Depois de uma certa idade, tudo abala meu sono. E como se não
bastassem os prejuízos da comida salgada, perfume forte, autocobranças e preocupações,
em época de jogos olímpicos, tenho vontade de acordar no meio da madrugada para
assistir às competições. Aí não posso nem reclamar, pois, no caso, eu mesma fiz a
bagunça. 

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Embora cada Olimpíada seja única, convenhamos, além da questão do fuso
horário horroroso, essa foi diferente de todas. A começar que ela aconteceu com um ano
de atraso e sob uma tensão extra, por causa dos riscos decorrentes da Pandemia. Achei a
ausência de público uma coisa bem esquisita, ao mesmo tempo em que ficava aflita
quando via muitas pessoas reunidas em qualquer tipo de aglomeração, por menor que
fosse. Pensar em aglomeração também não me deixa dormir. 

Num evento desse porte, que reúne muitas nações, pessoas de todos os tipos,
idades, raça, classe econômica e padrões culturais, muitas coisas estão em jogo.
Nacionalismo, rivalidade e superação são elementos obrigatórios. E esse ano, meu olhar
ficou mais atento aos desafios particulares de alguns atletas. Vão-se os jogos, fica a 
aprendizagem. As Olimpíadas são um microcosmo emocional e muito do que acontece lá
reflete situações que vivemos no cotidiano e que nos exigem diversos enfrentamentos. 

A ginasta americana Simone Biles, ganhadora de 25 medalhas em campeonatos
mundiais, desistiu de participar das finais de salto e barras assimétricas. Declarou que,
prosseguir prejudicaria grandemente sua sanidade mental. Foi criticada por uns, que
consideraram sua atitude uma covardia, mas muitos disseram exatamente o oposto,
alegando que sua desistência foi um ato de extrema coragem. Eu, obviamente, faço parte
desse grupo. Sei o quanto é difícil nos darmos conta que estamos vivendo uma situação
destrutiva e mais ainda, sair dela. Não é nada fácil terminar relacionamentos tóxicos,
trabalhos humilhantes e empreendimentos doentios. Daí não importa se se trata do amor
da sua vida, da profissão dos seus sonhos ou da medalha de ouro. Se for questão de
sobrevivência psicológica, nada disso vale a pena. Vocês repararam quantos atletas
revelaram algum tipo de transtorno mental como Síndrome de Overtraining, Burnout,
Pânico e Depressão? Ser um campeão olímpico, invariavelmente, gera prejuízos
emocionais produzidos pelo estresse crônico, exigência de alta performance, esgotamento
físico e lesões corporais. Na verdade, nada disso é saudável. Jantar japonês com muito
shoyu, também não é. 

Por outro lado, em campeonatos deste nível, há muitos exemplos de persistência.
Formiga, craque da seleção brasileira de futebol feminino, que acumula sete olimpíadas
e ainda não fez nenhuma declaração oficial sobre se aposentar, é um bom exemplo. Do
alto dos seus 43 anos, continua dando muito trabalho para as meninas de 20. Ela é a
antítese da ideia de que os jovens têm sempre superioridade física sobre os mais velhos.
Sua história e a de outros jogadores de todas as modalidades contrastam com a
supervalorização da juventude em relação ao envelhecimento. Experiência, nesse caso,
pode valer muito mais. Persistir em direção ao seu propósito, atravessando todos os
entraves que aparecem no caminho, é também o que me mantém escrevendo e o que me
afasta, pelo menos por enquanto, da ideia de pendurar as chuteiras como escritora. 
 
Nossa vida parece uma competição olímpica. Corremos desesperadamente atrás
de medalhas, estamos sempre querendo quebrar recordes, valorizamos absurdamente a
subida ao pódio, nos empenhamos em derrotar nossos adversários (que às vezes somos
nós mesmos) e reagimos de maneira infantil à derrota. O verdadeiro espírito esportivo
pode estar no reconhecimento de limites, na administração de prioridades e no
gerenciamento de doses, sejam elas de sódio, de lavanda ou de esforço.

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