Retornar a lugares significativos, que não íamos há tempos, e que nos remetem a
uma história feliz, é sempre muito bom. Nesta semana revisitei, com muita alegria, a
querida Escola Miró, casa onde minhas filhas concluíram o Ensino Fundamental. Fui
convidada pela coordenação para dar uma palestra aos jovens do oitavo ano e suas
famílias sobre saúde mental, tema escolhido pelos próprios alunos.
Para começo de conversa, é importante destacar a relevância do fato de ter sido
este o tema selecionado. Quando meninos de 13, 14 anos se interessam pelos problemas
da mente e solicitam uma palestra sobre isso, conclui-se que a saúde mental está em pauta.
Que maravilha! Além disso, considero a demanda dos garotos um pedido de ajuda que
educadores, psicólogos e pais não podem deixar passar.
Lá fui eu, então, toda feliz e grata pela oportunidade. Passada a emoção do
reencontro e a ansiedadezinha, básica, pré-apresentação, comecei uma roda de conversa
para uma audiência interativa e interessada. Pedi aos coordenadores que a plateia fosse
organizada em círculo para que fosse criado um clima mais intimista, com cara de bate-papo.
E foi o que aconteceu por aproximadamente 40 minutos. Uma delícia!
Abri minha fala, contando que, na década de 1940, a OMS definiu o termo “saúde”
como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência
de doença ou enfermidade”. Vejam que o conceito de saúde inclui o equilíbrio do
funcionamento emocional. Já a saúde mental refere-se ao estado em que o indivíduo
desenvolve habilidades para lidar com os estresses da vida, trabalha de forma produtiva
e encontra-se apto a dar sua contribuição para a comunidade.
A OMS também destaca como importantes as seguintes habilidades de vida:
tomada de decisão, resolução de problemas, pensamento criativo, pensamento crítico,
comunicação eficaz, relacionamento interpessoal, autoconhecimento, empatia e a
capacidade de lidar com as emoções. Ou seja, para sermos saudáveis emocionalmente,
precisamos saber fazer muita coisa!
Falar destes conceitos mais teóricos ou técnicos talvez não seja muito
esclarecedor, então, trocando em miúdos, disse a eles que uma pessoa mentalmente
saudável é aquela que consegue encarar os desafios que a vida apresenta, tem bons
recursos para enfrentar o estresse e reage proporcionalmente aos estímulos.
E isso não significa que não vai haver problemas e grandes sofrimentos, por
exemplo, se a menina que o Pedro gosta, beija seu melhor amigo, ele fica triste e com
raiva; se Joana tem uma prova complicada, de uma matéria que ela domina pouco, ela
tem medo e chega na escola tremendo; na véspera de uma festa muito esperada, Paula
nem dorme de tanta euforia; Camila não achou muito legal entrar no rio do rancho da avó
de sua amiga, pois teve nojo de pisar naquela lama; Maria está apavorada com a situação
dos seus pais, pois depois que sua mãe perdeu o emprego, eles não param de brigar e
estão bebendo demais; José está arrasado por ter perdido seu avô, por Covid; Guilherme
chorou o dia todo, quando perdeu o campeonato. Tudo isso é desagradável e sofrido, mas
não deixa de ser saudável. Desse modo, tristeza, raiva, medo, nojo e alegria são
sentimentos fortes e intensos, mas apropriados às circunstâncias. O que faz os
profissionais de saúde acenderem uma luz amarela, atentarem para um problema e
considerarem que ele merece atenção é o desequilíbrio entre o tamanho do estresse e os
recursos utilizados para resolvê-lo.
E se o desequilíbrio é repetitivo, tem uma duração prolongada ou prejudica o
funcionamento geral, pode ser o caso de um médico psiquiatra fazer um diagnóstico,
como TOC, Depressão, Transtornos de Ansiedade, entre outros, e prescrever alguma
medicação que restabeleça a química do cérebro.
Como não poderia faltar, conversamos sobre o nível de estresse provocado pela
pandemia e seus efeitos. Desde o primeiro lockdown, precisamos ficar confinados e
tentamos manter nossa vida online, tivemos que conviver exclusivamente com a família
e dividir o espaço. Mudamos a rotina e passamos a ter mais tarefas de casa. Sem contar
os novos hábitos com higiene, uso de máscara etc. Vivemos uma situação traumática, de
isolamento, interrupção e perdas. Algumas pessoas começaram a ter reações
descompensadas e houve um desequilíbrio na balança das emoções. Muito estresse e
poucos recursos para lidar com ele.
Pesquisas desenvolvidas pela UNICEF indicam que um grande número de jovens
relatou ter preocupações excessivas, sensação de vazio, apatia, falta de vontade, ideias de
morte, dificuldade de memória e atenção, tristeza acentuada, queda do desempenho
escolar, alteração de sono e apetite e compulsões por compras e jogos eletrônicos. Tudo
isso pode ser sintomas de Ansiedade e Depressão.
O lado bom disso tudo é que nesses dois últimos anos a saúde mental entrou no
foco, permitindo a busca por socorro.
No final da palestra, transmiti um vídeo do Youtube, do cantor Tiago Iork,
chamado “Masculinidade”, em que ele dá um depoimento sobre uma importante crise
existencial e fatos pesados vividos desde a infância. Por meio da mensagem: “cuida, meu
irmão, do seu emocional”, Tiago incentiva a expressão das emoções e o
compartilhamento dos sentimentos, principalmente para os meninos, que costumam achar
que ser frágil é coisa de mulher. Peguei carona na música para incentivar a conversa, a
auto-observação e a busca por ajuda.
Ter aceitado este convite foi um desafio e, desafios, levam ao crescimento, caso
sejam encarados com as ferramentas adequadas. Olhando para todas aquelas carinhas
atentas, que faziam sim com a cabeça quando eu falava algo que devia fazer sentido para
elas, tive a sensação de ter cumprido minha tarefa e transmitido o recado. Sorte a deles
terem espaço para ouvir e serem ouvidos, sorte a minha ter colocado essa escola na
história da nossa família.