Ainda que nem todos os cientistas considerem os vírus como seres vivos, uma vez que são organismos acelulares, é fato que eles também evoluem da mesma forma que os animais. Esse processo acontece por meio de mutações, ou seja, alterações no código genético.
“Elas acontecem aleatoriamente, mas quando conferem alguma vantagem ao vírus, como maior capacidade de transmissão, acabam sendo selecionadas pelo ambiente”, explica José Salvatore Patané, da Rede de Alerta das Variantes do SARS-CoV-2, gerenciada pelo Instituto Butantan. E assim nasce uma nova linhagem, também chamada de variante.
Como todos os vírus sofrem mutações, alguns com maior velocidade do que outros, já era esperado que o SARS-CoV-2 tivesse novas versões ao longo da pandemia. Segundo Vincent Louis Viala, que também é colaborador da Rede de Alerta, a taxa de mutação do vírus da Covid-19 não é tão rápida se comparada ao da gripe, por exemplo. “No entanto, o vírus teve quase um ano para circular pelo mundo inteiro até o início da vacinação, no final do ano passado. O que inevitavelmente acelerou o surgimento de novas variantes”, afirma Viala.
A situação gerou inúmeras dúvidas na população. Qual delas está circulando no país agora? As vacinas são eficazes contra as novas variantes? Por que temos de ficar de olho nelas? A seguir, os pesquisadores do Butantan respondem essas e outras perguntas em relação às novas mutações do SARS-CoV-2.
P.1, gama ou variante de Manaus?
Desde maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a atribuir nomenclaturas mais simples às principais variantes do SARS-CoV-2, apropriando-se das letras do alfabeto grego. Elas não substituem os nomes científicos (que geralmente são formados por letras e números relacionados ao gene que sofreu a mutação) utilizados nas pesquisas. A intenção é facilitar a compreensão da população e evitar que as pessoas chamem as variantes pelos locais de origem, o que pode gerar preconceito. De acordo com a nova nomenclatura, a variante P.1, que foi detectada pela primeira vez em Manaus (AM), agora é conhecida como gama.
Quais variantes do SARS-CoV-2 predominam atualmente?
A gama representa aproximadamente 90% dos casos no Brasil, seguida da variante alfa (encontrada pela primeira vez no Reino Unido) e da P1.2 (da linhagem P1). Também já foram identificadas por aqui a beta (África do Sul) e a lambda (Peru). Em julho, chegou ao país a variante delta (Índia). Como ela se espalhou rapidamente pela Europa e pelos Estados Unidos, os órgãos de saúde estão atentos aos novos casos.
Por que é importante monitorar as variantes?
Ações como a Rede de Alerta das Variantes, que é composta por sete laboratórios (incluindo um do Butantan), contribuem para o combate à pandemia ao fornecer informações de qualidade para a elaboração de políticas públicas. Em resumo, desta forma é possível traçar estratégias de controle (seja isolar uma pessoa ou fazer lockdown em uma cidade inteira, entre outras) com maior embasamento. Os dados fornecidos pelas redes de monitoramento de novas variantes também são importantes para estudos de desenvolvimento de vacinas. Tanto para descobrir qual variante deve ser usada na vacina (como acontece todos os anos com a da gripe), quanto para armazenar amostras de vírus que serão replicados em laboratório na produção de novos imunizantes.
As vacinas são eficazes contra as variantes?
Até o momento, inúmeros estudos com diferentes vacinas têm demonstrado que sim. Na pesquisa de vacinação em massa realizada em Serrana-SP pelo Instituto Butantan, por exemplo, a CoronaVac se mostrou efetiva contra a variante gama, mais comum no Brasil. As vacinas compostas de vírus inativados, como a CoronaVac, parecem apresentar uma vantagem contra as variantes do SARS-CoV-2. Isso porque ela apresenta todas as proteínas do vírus, e não apenas a proteína Spike (que o vírus utiliza para infectar as células). Assim, caso surjam alterações no vírus, as demais partes não modificadas ainda geram uma resposta imune.
Teremos de tomar um reforço da vacina por causa das mutações do vírus?
A necessidade de uma dose de reforço da vacina contra a Covid-19 ainda está em estudo. Até o momento, as vacinas existentes têm se mostrado eficazes contra as novas variantes. No entanto, os cientistas ainda não sabem precisamente quanto dura a imunidade (seis meses, um ano etc.) gerada pelas vacinas, o que só serão capazes de descobrir com o tempo, à medida que as pessoas forem vacinadas.
As medidas de prevenção reduzem o surgimento de novas variantes?
Sim. O uso de máscara e de álcool gel, além do distanciamento social, reduzem a circulação do vírus por uma questão de matemática: o ambiente em que o vírus se reproduz é o corpo humano e, quando não tem a oportunidade de contaminar novas pessoas, ele para de se multiplicar e, assim, de sofrer mutações.
As variantes causam sintomas diferentes?
As variantes alfa, beta e gama não apresentam muita diferença em seus quadros clínicos, sendo os sintomas mais comuns dor de garganta, diarreia, dor de cabeça, perda do olfato e paladar. Já a variante delta tem demonstrado semelhanças com a gripe, causando febre, tosse, secreções nasais, dor de cabeça e dor de garganta. Mas não podemos dissociar os sintomas do efeito da vacinação, ou seja, é possível que eles estejam mais brandos em países com altos índices de vacinação. Um exemplo é a comparação da Índia com o Reino Unido atualmente. Embora hoje “compartilhem” a mesma variante predominante (delta), o número de óbitos é proporcionalmente menor no Reino Unido, cuja a maioria da população já foi vacinada.
Existe uma variante mais perigosa?
A definição de perigo é relativa do ponto de vista da evolução dos vírus. Porque uma variante mais letal acaba se espalhando menos, uma vez que mata seus hospedeiros com mais frequência – é o caso do causador do ebola, por exemplo. Sendo assim, de acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), as variantes do SARS-Cov-2 são divididas entre Variantes de Interesse (ou VOIs, da sigla Variants of Interest, em inglês) e Variantes de Preocupação (ou VOCs, da sigla Variants of Concern, em inglês). São classificadas como VOIs as variantes que aparecem em várias pessoas e em lugares diferentes, colocando os cientistas e governantes em alerta, como a P1.2 e a lambda. Elas passam a ser classificadas como VOCs caso se tornem mais frequentes a ponto de influenciar as medidas de saúde pública, seja pelo aumento da transmissibilidade e da virulência ou pela diminuição da eficácia dos diagnósticos e vacinas, entre outras características. Nesse grupo se encontram as predominantes, como a gama e a delta.