Cerca de 120 anos antes da caçada a Lázaro Barbosa, outro assassino em série movimentou o interior paulista e teve desfecho (ou não) em São Carlos (SP). É a história de Diogo da Rocha Figueira, o “matador dos punhos de renda”, segundo o jornalista João Garcia, ex-diretor editorial do jornal ACidade.
A história do famoso assassino e seu bando movimentou as páginas policiais dos jornais impressos que circulavam na época, entre eles o “Correio Paulistano” e “O Estado de S. Paulo”. Sua caçada frenética, que envolveu policiais até da capital paulista, “terminou” às margens do Rio Mogi Guaçu, no distrito de Santa Eudóxia. O fim é impreciso, uma vez que o corpo do matador nunca fora encontrado.
A história teve início em Botucatu (SP), em 1863, cidade onde o assassino nasceu e aprendeu as primeiras letras. Quando jovem trabalhou como agrimensor na Sorocabana, estrada de ferro que estava chegando àquela região.
O primeiro crime de Dioguinho foi cometido quando ele tinha 20 anos. Segundo o Museu Histórico Simonense “Alaur da Matta”, de São Simão, ele matou o gerente de um circo que destratara de seu irmão mais novo, João Dabney e Silva, conhecido como Joãozinho.
Durante a briga, Dioguinho, munido de um chicote, brigou com o homem, que reagiu com um punhal, segundo contou o delegado João Amoroso Netto em uma série de artigos sobre o “Matador dos Punhos de Renda” publicada no jornal Diário da Noite, em 1949.
“Processado por esse crime, Dioguinho foi impronunciado pela justiça da terra, que reconheceu a seu favor a justificativa da legítima defesa. E, ao que dizem, teria sido esse o ponto de partida de sua vida criminosa”, relata.
Tempos mais tarde, Dioguinho teria sido autor de outro crime. Processado, mais uma vez ele escapou de condenação. Era um crime em favor da honra de sua sobrinha.
Um rapaz seduziu a moça, prometeu um casamento e sumiu. Irado, Dioguinho descobriu na estação de trem o paradeiro do rapaz: o distrito de Passa Três, hoje conhecida como Cesário Lange (SP), cidade à distância de “cinco léguas” de Tatuí, segundo o autor.
Localizado, o sedutor rapaz chegou a tomar cervejas com o assassino em uma venda próxima à Matriz do povoado. Depois de “umas e outras”, o jovem baixou a guarda e contou sobre sua história com a sobrinha de Dioguinho.
Com frieza, o matador ouviu a história, pagou a conta e ainda acompanhou a futura vítima. No caminho pegou um pedaço de lenha. Em uma rua erma, veio o bote.
Em outro assassinato, Dioguinho se vingou de um rapaz durante um baile na cidade de Tatuí. Ele desferiu um golpe no peito da vítima após ela ter se sentado sobre o chapéu novo dele de palheta. Na confusão, conseguiu fugir, mas logo foi alcançado e entregue às autoridades, mas o resultado, Amoroso Netto resumiu: “plena absolvição”.
Depois dos crimes iniciais na região de Tatuí, Dioguinho pôs-se na estrada em busca de novos ares. A ele são atribuídos mais de 50 homicídios, muitos deles cometidos na região Mogiana.
Apesar de ser exímio agrimensor e poder encontrar trabalhos formais, segundo historiadores, tornou-se assassino de aluguel e formou um bando com o seu irmão Joãozinho. Com status, tinha certa proteção das oligarquias regionais, segundo Marília Schneider em pesquisa publicada no Simpósio Nacional de História.
“Dizia-se que Dioguinho era protegido de fazendeiros, e que sem essa proteção ele não teria cometido tantos crimes. Portanto, e para as comunidades rurais, os verdadeiros bandidos eram, de fato, os cúmplices de Diogo. Alguns desses colaboradores, ou mandantes de alguns crimes, foram identificados como grandes proprietários rurais”, afirma.
O estopim que gerou a caçada foi um crime cometido contra uma mulher, adjetivada por Amoroso Netto como muito bonita e mandona, em 1887. Balbina, esposa do comerciante Manuel Ferreira, tinha um caso com Marciliano Pereira Machado.
Ciumento, o marido dispôs dos serviços do matador de aluguel para dar fim à história. Depois de alvejar o rival pelas costas, o assassino torturou a mulher, que fugiu para Casa Branca. Por lá, foi aconselhada por parentes a “dar parte” em delegacia da capital, segundo o Museu Histórico Simonense “Alaur da Matta”.
A partir da busca por Dioguinho, a história se torna mais próxima à de Lázaro Barbosa, assassino em série que tem praticado crimes no Planalto Central.
Para conseguir encontrar o assassino foi designado o delegado Antônio de Godoy Moreira Costa, que realizou buscas em São Simão e Cravinhos. A quilômetros de distância, o “Matador dos Punhos de Renda” já estava nas margens do rio Mogi Guaçu, em Santa Eudóxia.
Com informações inclusive de dentro do bando de Dioguinho, uma armadilha foi feita nas margens do rio. Incumbido de comprar mantimentos, um dos funcionários da fazenda onde o bandido se escondia cooptado por policiais combinou de fazer uma entrega na beira do curso dágua. Na edição do jornal “O Estado de S. Paulo” de 17 de maio de 1897, o próprio Urbano Pinto Collares, contou a história.
“A canôa, entretanto, approximava-se do barranco onde justamente se achava a escolta, quando, não se sabe por que motivo Dioguinho disparou a espingarda para o lado onde estava o sr. França Pinto e a escolta, ouvindo nessa occasião uma ordem de foto e uma descarga dada pela escolta, contra Dioguinho, que, cahiu na pôpa da canoa e, esticando uma perna, rodou para o rio”, publicou o jornal, em grafia da época.
A história contada no jornal dá conta de que tanto Dioguinho quanto Joãozinho morreram na ação. A partir daí começam a haver divergências. Há quem conte que Dioguinho conseguiu fugir e permaneceu vivo, há outra linha que aponta que o corpo ficou no próprio rio. De fato, os restos mortais do assassino nunca foram encontrados, gerando diversas lendas.
“Ninguém o viu com seus próprios olhos, depois do conhecido epílogo das suas façanhas no rio Mogi Guaçu, mas há sempre quem tenha ouvido a alguém que o viu, a afirmação veemente de que ele ainda vive”, concluiu Amoroso Netto.
“Aparições”
Um ano depois da morte de Dioguinho, o assassino ainda “frequentava” o noticiário policial. O próprio “O Estado de S. Paulo” informou, em 30 de julho de 1898 que o célebre bandido fora visto “vivo e são” em diferentes localidades.
Os boatos correram em Cravinhos, Jaboticabal, Santa Eudóxia e em Ribeirãozinho, atual Taquaritinga. Uma “folha de Ribeirão Preto”, inclusive, teria informado aparição dele com mais dez homens armados.
“Este, por sua vez, diz que Dioguinho estava muito magro, devido ao desgosto que vem ralando desde a morte de seu irmão”.