Com apenas 25 anos, Thaianne Souza da Conceição começou a sentir dores intensas nas pernas. Uma ida ao médico revelou que a jovem sofria de varizes, deflagradas por uma gravidez na adolescência, e precisaria de uma cirurgia vascular. Isso foi em 2017. Mas só dois anos depois, ela conseguiu fazer um ultrassom – exame necessário para ser operada.
Com a pandemia e a paralisação de praticamente todo atendimento que não fosse a pacientes de covid-19, Thaianne só conseguiu ser atendida por um cirurgião na semana passada. O ultrassom de 2019, claro, não tem mais validade. Ela terá que fazer outro exame antes de poder marcar a data do procedimento.
“Quando a pandemia começou, eu já estava com o exame pronto, mas parou tudo, não se fez mais nada, nem um retorno ao médico”, contou. “Agora que eu consegui ir ao médico, o exame não vale mais e vou ter que fazer outro. E esse gasto está saindo de algum lugar, né? Nesse meio tempo, continuo sentindo dores.”
Thaianne não é um caso isolado. O Brasil registrou uma queda de 69% nas cirurgias para varizes durante a pandemia de covid-19, de acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV). A emergência epidemiológica provocou um apagão no atendimento na rede pública aos pacientes da doença – que já era considerado precário. Isso aconteceu porque boa parte dos procedimentos eletivos foi postergado para dar prioridade ao atendimento dos doentes de covid-19 e também pelo medo da população de ir ao hospital em meio a uma pandemia
“Trata-se de uma doença altamente prevalente, que afasta muitas pessoas do trabalho e que pode até matar”, afirmou o presidente da SBACV, Julio Peclat. “Essa queda de 69% é realmente preocupante, demanda uma resposta urgente do governo para que esses pacientes não sejam negligenciados. Onde estão essas pessoas? O que aconteceu com elas? O que já não era muito bom, agora fugiu totalmente do controle, precisamos de uma campanha séria de informação e busca de pacientes ou vai ter muita gente morrendo.”
Há dois anos, a rede pública realizou 68.743 cirurgias para varizes. Em 2020, quando a pandemia se instalou no País, o número de procedimentos caiu 59% para 28.354. No ano seguinte, foram 21.604 cirurgias. O fenômeno foi registrado em todas as regiões do País; sendo a pior situação na região Norte, com uma queda de 72% no número de cirurgias. Logo atrás vêm o Sul (com – 71%), o Sudeste (-70%), o Nordeste (-63%) e o Centro-Oeste (-51%).
Praticamente todas as unidades da federação apresentaram quedas significativas no número de cirurgias vasculares, sendo os piores resultados de Acre (-95%), Espírito Santo (-92%) e Mato Grosso do Sul (-92%). Em São Paulo a queda foi de 67%.
Diretor de Publicações da SBACV e coordenador do levantamento, Mateus Borges diz que varizes são um problema de saúde pública com consequências individuais e coletivas.
“Neste caso específico, é preciso tomar medidas para recuperar os níveis do atendimento pré-pandêmico”, afirmou Borges. “Nos últimos dois anos, os serviços da rede SUS sofreram com a postergação dos atendimento eletivos, caso das varizes, e com a priorização do atendimento dos pacientes com covid-19.”
As varizes são dilatações tortuosas de veias, sobretudo nos membros inferiores. O problema interfere no chamado retorno venoso, fazendo com que o sangue circule mais lentamente. Isso pode provocar vários outros problemas sérios, como trombose e embolia pulmonar – fatal em 30% dos casos. As varizes costumam ter origem genética – 70% das filhas de mães que tiveram varizes têm chances de também ter –, e podem ser deflagradas por situações como gravidez, obesidade, sedentarismo, uso contínuo de pílulas anticoncepcionais, entre outros.
“Muita gente acha que é apenas um problema estético”, disse Peclat. “Mas é uma condição séria, que quando não é tratada gera muitas complicações.”
Em nota, o Ministério da Saúde informou que, “mesmo enfrentando um cenário de pandemia, apoiou Estados e municípios para a manutenção do acesso da população aos serviços realizados pelo SUS”. Segundo a pasta, em 2020 foram realizadas “mais de 31 mil cirurgias”. Em 2021, teriam sido “cerca de 28 mil”. O ministério lembrou ainda que o “o SUS é tripartite e cabe aos Estados e municípios a oferta por procedimentos e serviços de acordo com a demanda local e a necessidade de cada território”.