Em 2020, ano marcado pelo novo coronavírus, quarentena e interrupção de aulas presenciais, 8,4% dos estudantes com idade entre 6 e 34 anos matriculados antes da pandemia informaram que abandonaram a escola.
O percentual representa cerca de 4 milhões de alunos, montante superior ao da população do Uruguai.
Questões financeiras e falta de acesso a aulas remotas estão entre os principais motivos do abandono e o problema é maior entre os mais pobres.
As informações são de pesquisa do Instituto Datafolha, sob encomenda do C6 Bank, e obtida pela reportagem.
Essa é a primeira sondagem que mostra o impacto da pandemia na permanência de estudantes em escolas e faculdades. A divulgação das estatísticas oficiais ainda leva mais tempo.
O Datafolha realizou 1.670 entrevistas, por telefone (com estudantes ou responsáveis), entre os dias 30 de novembro e 9 de dezembro. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, e os resultados têm confiabilidade de 95%.
O pior índice de abandono é registrado entre os que estavam matriculados no ensino superior, com taxa de 16,3%.
Na educação básica, 10,8% dos estudantes do ensino médio informaram ter largado os estudos, e o percentual ficou em 4,6% no fundamental.
As taxas são bastante superiores aos índices oficiais de abandono registrados na educação básica do Brasil, que, por sua vez, já são altos. Em 2019, ano do último dado oficial disponível, o índice médio no ensino fundamental foi 1,2% e, no ensino médio, de 4,8%.
O país acumula 26,9 milhões matrículas no ensino fundamental e 7,5 milhões no médio, segundo os dados do MEC (Ministério da Educação). São 8,6 milhões de matrículas de nível superior.
A amostra da pesquisa do Datafolha guarda relação com a realidade educacional brasileira. Mais de 80% dos estudantes dos ensinos fundamental e médio eram de escolas públicas e, no superior, mais de 70% estavam no setor privado.
Na universidade, 42% daqueles que abandonaram o fizeram por falta de condições de pagar as mensalidades. Já na educação básica a precariedade da manutenção de aulas aparece como principal motivação para largar os estudos.
Ter ficado sem aulas surge como explicação do abandono para quase um terço dos estudantes matriculados no ensino fundamental (28,7%) e médio (27,4%).
A maior proporção, sob este motivo, foi registrada entre crianças e adolescentes de 11 a 14 anos (faixa ideal para os anos finais do fundamental, entre o 6º e 9º anos).
O aumento do abandono escolar em meio à pandemia tem sido uma das maiores preocupações por causa da quebra de vínculo entre alunos e escolas causada pela quarentena.
A desigualdade se impôs como um desafio ainda maior. A taxa média de abandono apurada pela pesquisa é de 10,6% nas classes D e E, contra 6,9% na classe A.
Escolas e faculdades passaram a interromper atividades presenciais em março do ano passado.
O ano foi marcado pela ausência do MEC do governo Jair Bolsonaro (sem partido) no apoio às ações educacionais de estados e municípios, que concentram as matrículas.
Mais de 6 milhões de estudantes de 6 a 29 anos não haviam tido acesso a atividades escolares durante outubro.
Segundo a pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE, divulgada em dezembro, isso representa 13,2% dos estudantes dessa faixa etária.
Até o meio do ano passado 2 em cada 10 redes públicas de ensino não contavam com planos para evitar a perda de alunos, segundo estudo do comitê de Educação do Instituto IRB (Rui Barbosa), que agrega tribunais de contas do país, e do centro de pesquisas Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional).
Entre os que largaram os estudos, 17,4% dizem não ter intenção de retornar neste ano. A taxa sobe a 26% dos que estavam no ensino médio.
Chama-se de evasão essa situação em que um aluno deixa os estudos em um ano e não se matricula no seguinte.
O dado oficial mais recente, de 2017-2018, registra uma evasão média de 2,6% no ensino fundamental e 8,6% no médio.
Em 2019, havia 88,6 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos fora da escola. Entre jovens de 15 a 17 anos, faixa etária ideal para o ensino médio, eram 674,8 mil excluídos do sistema educacional (7,6% dessa população).
Para Cezar Miola, presidente do comitê técnico da Educação do IRB, o combate ao abandono e à evasão exige um esforço conjunto de governos, redes de ensino, profissionais de educação e órgãos de controle.
“Percebemos muito empenho e dedicação no ano passado, mas foi insuficiente”, diz Miola. “Parte dos problemas que levam ao abandono é que houve verdadeira desconexão da família com a escola, e esse ponto-chave casa com investimentos adequados.”
A Unicef tem um projeto de busca ativa de evadidos. Entre 2017 e 2019, a iniciativa, em parceria com mais de 3.000 prefeituras, conseguiu chegar a 80 mil crianças e jovens que estavam fora da escola no ano passado, foram 40 mil.
“O cenário é absolutamente preocupante, corremos o risco real de ter uma grande quantidade de crianças e adolescentes fora da escola”, diz Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Dutra afirma ser necessário uma ação coordenada e focada, com o entendimento de que ter crianças e adolescentes fora da escola representa a violação mais extrema do direito à educação. O que implica, diz ele, que outros direitos podem estar sendo violados, como acesso à saúde, proteção à violência e segurança alimentar.
“Nos últimos dois anos não há coordenação efetiva do MEC para essas ações”, diz. “Precisamos ter uma busca ativa, saber o que está acontecendo e atuar com toda rede de proteção.”
“Precisa rematricular e ver fatores de risco para abandonar de novo, por isso todo o sistema de proteção tem de estar funcionando articulado”, afirma Dutra.
Questionado, o MEC não respondeu à reportagem sobre o que fez ou pretende fazer para lidar com a situação.
O levantamento sobre abandono escolar faz parte de uma série de pesquisas encomendadas pelo C6 Bank para entender os impactos da pandemia no Brasil.