Um Grupo de Pesquisa pioneiro no Brasil tem estudado na USP, em São Carlos, um modelo inovador de seguros que pode ajudar a diminuir os danos causados por enchentes e secas. Com o chamado “Seguro Indexado”, os valores a serem pagos a famílias ou empresas em casos de falta dágua ou tragédias ambientais, por exemplo, podem variar conforme o risco de um desastre ocorrer aumenta, assim como seu potencial de gerar prejuízos. É uma garantia de proteção e de que o problema será combatido quando e se acontecer. O professor Eduardo Mario Mendiondo, docente do Departamento de Hidráulica e Saneamento (SHS) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), explica que, com o monitoramento de variáveis ambientais e econômicas em tempo real, o grau de exposição ao risco é sempre atualizado no seguro indexado.
“Por meio de imagens de satélite, dados das chuvas, análise da vazão de rios e do fluxo da água é possível mapear uma área, simular cenários, estimar danos provocados por eventos climáticos e calcular preços e valores de indenizações justos em casos de secas ou enchentes. Dá para recalcular os valores de forma transparente”, afirma o docente. Com o seguro indexado, as seguradoras podem investir a longo prazo e, em períodos de falta dágua, por exemplo, a empresa indenizaria o segurado, facilitando sua recuperação. Operando de maneira comunitária, o modelo garante estabilidade de renda e permanência dos segurados em suas atividades.
No Brasil, eventos extremos têm se intensificado por causa das mudanças climáticas, prejudicando regiões que já enfrentam escassez. As crises de água, principalmente, aumentaram nas últimas décadas. No país, secas e inundações representam mais de 80% dos desastres naturais e, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), entre 1995 e 2014 as perdas econômicas diretas somaram R$ 9 bilhões por ano, acarretando prejuízos para famílias, indústrias e agricultores. Em todo o planeta, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, de 1971 a 2012 fenômenos climáticos foram responsáveis por quase 287 bilhões de dólares em prejuízos. E para o futuro, o Novo Índice de Economia do Clima revela que as mudanças climáticas devem afetar 48 países, representando 90% da economia mundial que pode perder 18% do PIB nos próximos 30 anos. Atualmente essa é a maior ameaça a longo prazo para a economia global.
O impacto econômico de desastres naturais provocados por essas mudanças climáticas é incontestável. A última seca na região metropolitana de São Paulo, entre 2013 e 2015, aumentou os preços das contas de água e provocou racionamento para pelo menos 9 milhões de pessoas abastecidas pelo Sistema Cantareira. A seca somada a uma demanda de água contínua gerou déficit no abastecimento. Foi a pior crise hídrica e financeira da história da Companhia Estadual de Águas de São Paulo (SABESP). O lucro da empresa caiu 60% entre 2014 e 2015. Gabriela Chiquito Gesualdo, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Hidráulica e Saneamento da EESC, realizou um estudo de caso do sistema da SABESP e afirma que foram gastos R$ 80 milhões somente em conjunto de bombas para utilizar a reserva de água mais profunda das represas. “Se você não tem esse dinheiro em caixa, na hora da crise precisa fazer um empréstimo com juros altos. E quem paga a conta é consumidor”, alerta.
Nesse caso, com o valor do pagamento aos segurados, as tarifas de serviços não seriam alteradas, protegendo os consumidores do aumento extraordinário de preços. “O seguro indexado é uma alternativa e uma ferramenta muito válida. Ele tem o potencial de reduzir custos. Os gestores precisam integrar o ecossistema com as necessidades das pessoas para planejar o uso dos recursos hídricos, levando em conta as incertezas climáticas”, defende a pesquisadora, que está desenvolvendo um seguro que poderá ser adotado por órgãos públicos contra crises de abastecimento hídrico.
Os cientistas do Grupo, batizado de WADI Lab, ressaltam ainda que países em desenvolvimento são mais vulneráveis aos riscos climáticos devido à sua maior dependência econômica de atividades primárias sensíveis ao clima, como agricultura e pecuária. Diante desse cenário, prever os efeitos adversos das mudanças climáticas e tomar medidas para prevenir ou minimizar os danos que poderão ocorrer é ainda mais importante.
Eduardo Mendiondo conta que, na medida em que foram surgindo novas discussões sobre as mudanças climáticas e monitoramento nos últimos 20 anos, o seguro indexado começou a ser mais debatido no mundo, mas segue pouco disseminado, inclusive no Brasil, que ainda não adota esse tipo de seguro. O modelo inovador já é utilizado por usinas hidrelétricas no Uruguai.
Depois de enfrentar uma seca em 2008 e se ver obrigado a gastar 500 milhões de dólares para importar eletricidade do Brasil e da Argentina, o país adotou o seguro indexado para evitar que os consumidores tivessem que pagar a mais em caso de nova crise ambiental. “Apesar da deficiência de tecnologias de monitoramento em todo o hemisfério Sul, algo que dificulta o cálculo de riscos de eventos climáticos extremos, são monitoradas 39 estações pluviométricas no Uruguai, então, quando o índice de chuva atinge um determinado ponto crítico, o seguro é automaticamente acionado e eles são indenizados antes do problema acontecer, mas ainda precisamos de dados de mais qualidade para aumentar a confiança da estimativa”, descreve Gabriela.
A segurança hídrica está diretamente relacionada à preservação das matrizes energéticas e à segurança alimentar, além de ser uma importante ferramenta para a manutenção da biodiversidade. Marcos Benso, também doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Hidráulica da EESC, lembra que secas prolongadas podem levar à falta dágua para a irrigação do solo e causar prejuízos enormes para os agricultores. “O setor agrícola brasileiro é muito vulnerável à ocorrência de eventos climáticos extremos, o que é um grande risco, já que de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, quase 117 milhões de brasileiros não se alimentam como deveriam, com qualidade e em quantidade suficiente. Destes, 19 milhões não têm nem o que comer em plena pandemia de Covid-19. E quem está mais vulnerável a desastres ambientais é o pequeno produtor”, diz.
Marcos afirma que o seguro precisa ser encarado como investimento em benefícios futuros, e não como gastos. “Precisamos educar a população, levar informação, explicar o processo de que calcular o risco e pagar um preço justo e acessível trará vantagens a longo prazo, além de deixar todo mundo menos suscetível às crises”, ressalta o pesquisador. “Temos um sistema de produção de alimentos que não é resiliente, quando vem o impacto ele é extremamente afetado e o agricultor e o consumidor perdem. Não dá mais pra ignorar esse problema e gastar recursos tentando resolver o que já aconteceu. Precisamos mudar esse paradigma, começar a gerenciar e mencionar o tamanho das adversidades, entender os pontos críticos, pensar em ferramentas de políticas públicas e estar preparados”, conclui o doutorando, que está desenvolvendo um seguro para ser utilizado por agricultores.
Financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o WADI Lab tem publicado artigos científicos e consolidado a área de pesquisa, a qual eles classificam como desafiadora.
Eduardo Mendiondo, coordenador dos estudos, espera formar recursos humanos para novas empresas de tecnologia que possam incorporar valor neste modelo de seguro no mercado. “Apesar do seguro de indenização ainda ser o mais comum no Brasil, ele é inacessível para grande parte da população por causa dos altos custos operacionais. Por ser uma região pouco explorada e com crescimento de demanda, assim como toda a América Latina, a Ásia e mesmo o continente Africano, as empresas seguradoras enxergam como uma área a ser conquistada nos próximos anos”, finaliza.