O temor de todo escritor é o chamado bloqueio criativo. Muito comum na vida de quem escreve, a falta de inspiração é simplesmente a incapacidade de criar algo que se considere relevante ou passível de ser digitado. Ter algo ou alguém que inspire o escritor, às vezes ajuda, mas nem sempre resolve os todos os problemas. Questionado sobre quem é sua musa inspiradora, o escritor gaúcho Luiz Fernando Veríssimo, respondeu: “O prazo de entrega”.
Há, evidentemente, algumas maneiras de tentar burlar a ausência de criatividade do cérebro. Autores experientes indicam caminhadas, música clássica ou simplesmente escrever na página em branco a primeira coisa que lhe vier à cabeça.
No caso da crônica, por ser temporal e poder relatar a realidade e o tempo em que seu autor está inserido, pode-se, simplesmente narrar um encontro no ônibus ou um papo na fila do caixa do supermercado. Tudo, obviamente, sob o olhar de seu autor, afinal, embora seja um gênero não ficcional, a crônica pode ficcionilizar-se, caso seu autor esteja inspirado. Meus familiares e amigos frequentemente me dizem que têm certo receio de conversar comigo, pois depois eu escrevo sobre a conversa. É fato. Todo cronista mantém as antenas ligadas girando para todos os lados, todo o tempo até que capte um sinal que o chama sem pudores e o obrigue a escrever torturando-o, caso não o faça.
Ano passado, eu entrevistei o Xico Sá, um dos maiores cronistas brasileiros, no Programa Subtexto1 e ele me disse que a crônica é o primo pobre da literatura brasileira, mas, e possivelmente por isso, o mais amado. Nesse sentido, talvez o afã que o brasileiro tem historicamente pela crônica se deva a curiosidade que todos nós, sem exceção, temos em saber um pouco mais sobre a vida e a realidade alheias. Prova disso é que o Brasil é um dos poucos países em que o Big Brother ainda se mantem vivo e fazendo sucesso. Dar uma olhada na fechadura da porta alheia é um fetiche que acomete a nós brasileiros. A crônica, o Xico Sá e eu agradecemos.
Na escrita, seja ela de ficção ou não, há duas maneiras de produção. João Cabral de Melo Neto, escritor da terceira geração modernista, autor do inigualável Morte e Vida Severina, era tão organizado que planejava cada um de seus textos. Ia mais além, chegou a planejar toda a sua obra. Sabia onde começaria, como a desenvolveria e aonde chegaria. Para muitos, foi o brasileiro a chegar mais próximo de um Prêmio Nobel de Literatura. Clarice Lispector, outra grande referência da chamada Geração de 45, era gutural e imprevisível. Não planejava nada. Sentava e discorria com texto visceral cheio de fluxos de consciência. Depois, não lia mais o que escrevia. Nunca mais. A escritora estadunidense de origem mexicana, Gloria Evangelina Anzaldúa costumava dizer que era compelida a escrever, pois a escrita a salvava de uma complacência que temia. Dizia que escrevia porque não tinha escolha, porque o mundo que criava em sua escrita compensava por tudo aquilo que o mundo real não lhe dava.
Contudo, mesmo nós cronistas tememos a assustadora página em branco do word. Com o tempo, surgem, porém, estratégias de escrita que vão além das práticas usuais. Se o prazo de entrega se aproxima, resta fazer a canalhice de fazer uso da metalinguagem e criar uma crônica sobre as maneiras de burlar o bloqueio criativo e conseguir escrever uma crônica. Se você chegou até aqui, significa que a estratégia funcionou. Prometo não usá-la com frequência.
- Programa de Rádio e youtube apresentado por mim aos sábados às 3h da tarde na Rádio UFSCar. Nele, entrevisto escritores e artistas. 95,3 FM e Canal Glauco Keller no youtube.
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