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Coluna Subtexto: O Silêncio indizível

Para os suecos, esse momento misterioso entre a noite e o dia, quando o mundo parece suspenso em silêncio, é também conhecido como “a hora do lobo”

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Há muito tempo que acordo cedo. Logo cedo, tive da aprender a acordar cedo. De fato, não me lembro de nenhuma época da minha vida em que não acordei cedo. Primeiro para ir para a escola – comecei no Pré-primário, aos seis anos -, depois para continuar a ir para escola, nos antigos Primário e Ginásio, hoje ensinos fundamental um e dois e, posteriormente, no colegial – atual ensino médio. Quando cheguei à universidade, as aulas começavam às sete e meia, aí, já viu. Acordar cedo, de novo. Por fim, para nunca sair da escola, voltei como professor e, desta forma, continuei acordando cedo.

A maioria das pessoas não gosta, em especial em épocas como esta de frio relativamente intenso, pelo menos da perspectiva dos brasileiros. Eu, particularmente, gosto. Meu prazer é dormir no começo da tarde. Quero estar acordado pela manhã. Inclusive, estou, no momento em que escrevo está crônica (acho que você já imaginava!) e ainda são sete horas. Já tomei café e passeei com o Sherlock Holmes e com o Dr. Watson.

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Aos finais de semana, contudo, durmo uma horinha a mais. Acordo umas sete, mas no final de semana passado, acordei por volta quatro e meia e, como, por vezes, sou insone, não voltei a dormir.

O momento de meu despertar, contudo, me chamou à atenção e é por ele que esta crônica surgiu.  Dizem que há um momento no crepúsculo matutino em que as criaturas da noite já foram dormir e as criaturas do dia ainda não despertaram. Nesse momento, a Terra para, como cantou o Raul1, e um silêncio inimaginável se faz. São poucos minutos ou segundos, não sei, mas não há cantos de pássaros, rugidos, latidos ou qualquer outro som vindo da natureza. Só o silêncio, nada mais. A sensação que senti foi de muita paz e leveza, afinal nos desacostumamos com o silêncio, com o ato de não dizer nada, com a meditação. Culpa das Revoluções Industriais que nos enganaram a ponto de promover a ideia de que deveríamos ser os donos da natureza e sobrepujá-la a todo custo. Só produzimos, de fato, muito barulho. O escritor Ailton Krenak2 e tantos outros nos têm mostrado via literatura, o equívoco Descartiano que cometemos ao nos achar superiores aos demais seres do planeta.

Sobre o silêncio, lembro-me da eterna canção The Sound of Silence3, de Paul Simon, eternizada por ele e por Arthur Garfunkel, (procure!, vale a pena) e de um diálogo acachapante entre a Mia Wallace e o Vincent Vega, personagens de Uma Thurman e John Travolta respectivamente, no clássico Pulp Fiction4. Diz Mia: “Você sabe que encontrou a pessoa certa, quando consegue ficar em silêncio ao lado dela.”

Mas, voltando à minha sensação de leveza e paz, ao momento de descanso de todos os seres, uma amiga me contou que este período se chama “minuto azul”. Adorei a poesia e, curioso, descobri que esse “tempo” é lido e interpretado de várias maneiras por diversas culturas. Para os suecos, esse momento misterioso entre a noite e o dia, quando o mundo parece suspenso em silêncio, é também conhecido como “a hora do lobo”, em sueco vargtimmen. Na tradição nórdica, diz-se que é o período antes do amanhecer quando os pesadelos são mais vívidos, os insones estão mais angustiados e — segundo a lenda — os lobos uivam com mais intensidade.

Essa hora, também pode ser associada ao “crepúsculo matutino” (o nascer do sol ainda não visível, mas com a luz começando a clarear) e algumas civilizações  e culturas têm outros nomes, não menos poéticos, para esse instante efêmero. “Entre o cão e o lobo” (expressão francesa entre chien et loup), que remete à dificuldade de distinguir formas no crepúsculo. Já os espanhóis chamam esses poucos instantes de “la hora bruja” (a hora das bruxas), um tempo de transição e magia entre o dia e a noite.

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Acordei e não me levantei. Fiquei quieto. Só ouvindo o nada. Quando o fiz, estava mais leve. Ainda havia silêncio, mas o silêncio que havia já não era tão silencioso. Pensei no clássico filme “O feitiço de Áquila5”, em que dois amantes, por conta de uma maldição, se transformam em águia e lobo, respectivamente, durante dia e noite e têm, apenas alguns minutos para se ver e se tocar todos os dias. Preparei o café, pensando em nomes que eu, enquanto cronista, poderia dar para esse momento, “Suspiro da noite”, “Intervalo de sombras”, “Momento poético”, “Silêncio indizível”? Isso, “Silêncio indizível”, afinal, tem coisas não precisam ser ditas, só sentidas.

  1. Raul Seixas (1945 – 1989) é um cantor e compositor baiano, considerado o pai do rock brasileiro. A canção “O dia em que a terra parou”, composta por Raul Seixas e Claudio Roberto, consta no álbum homônimo do cantor lançado em 1977.
  2. Ailton Alves Lacerda Krenak (1959) é um  líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta, escritor brasileiro da etnia indígena krenaque e Imortal da Academia Brasileira de Letra. Ailton é também professor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e é considerado uma das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro, possuindo reconhecimento internacional.
  3. The Sound of Silence é uma canção Folk, composta pelo cantor e compositor Paul Simon e gravada por ele e seu parceiro Arthur Garfunkel em um álbum single homônimo, em 1965.
  4. Pulp Fiction é um filme indicado ao Oscar de 1994. É dirigido por Quentin Tarantino.
  5. O Feitiço de Áquila é um filme dirigido por Richard Donner, lançado em 1985.

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Glauco Keller
Glauco Keller
Glauco Keller é jornalista, professor da área de linguagens e história da arte. É mestrando em educação e apresenta semanalmente o Programa Subtexto pela Rádio UFSCar, no qual entrevista escritores e artistas. É autor do livro de crônicas Mata-burro.
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