Às vezes, me perguntam quando eu decidi ser professor. Costumo dizer que professor é uma profissão que se descobre aos poucos. Começa-se a tirar uma dúvida ou outra do filho dos vizinhos que está indo mal em matemática ou em língua portuguesa, se pega uma vaga de monitor em alguma escola para completar o orçamento e ajudar nas despesas da república ou do alojamento e, de repente, vê-se frente a uma sala de aula.
Sempre gostei das letras, da literatura, da poesia. Acho que me tornei escritor sem saber quando, ainda no primeiro ano do ensino médio, lá na escola Álvaro Guião, ganhei um concurso de contos da cidade. O resultado saiu nas férias e eu estava acampando com meus amigos quando o fusca do meu pai apareceu dois dias antes do dia da gente ir embora. “Vamos, você precisa ir receber um prêmio que você ganhou”. Meu pai não tinha a menor ideia do que era. Acho que se eu perguntasse para ele em que série eu estava, valendo um milhão, ele perdia.
No terceiro ano, comecei a monitorar em duas escolas de inglês em São Carlos/SP, cidade onde moro: as extintas Pink and Blue Freedom e Fisk. Tenho muita saudade, carinho e gratidão. Lembro, também, que nesta época costumava ajudar muito meus colegas nas provas de linguagem, antes e, por vezes, sem os professores saberem, durante as provas.
Passei em Letras sem saber que tinha passado. Na época, a lista dos aprovados saia nos jornais e nós não assinávamos nenhum em casa. Minha prima, Silmara, ligou avisando: “Terça você tem de ir para Araraquara fazer matrícula”. Fui, voltei de cabelo picotado e unhas vermelhas. Não tive tempo de almoçar, pois entrava às duas horas para dar aula nos cursos de inglês. No meio da tarde, alguma alma bondosa me arrumou um boné e um vidro de acetona. Daí, não parei mais. Ensino médio, extensivos pré-vestibular, cidades da região e a sensação de que ainda estou começando, mesmo após trinta e um anos de tablado. Os alunos e alunas sempre têm a mesma idade, então a gente acha que também tem, porque nos metamorfoseamos com os aprendizados, os costumes, a linguagem, as vestimentas, as músicas que os estudantes nos mostram. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende, como falou o Guimarães Rosa.
Nesse tempo todo, vi muita coisa. Amigos queridos foram embora: o Sebá, o Marcão, o Nina e tanta gente que partiu cedo demais. Vi colegas se desencantarem com o ensino por conta da desvalorização da profissão, do salário, das condições de trabalho. Nada, contudo, se assemelha com o que tem acontecido nos últimos anos devido aos movimentos neofascistas que assolam o Brasil. O professor virou inimigo dos alunos e das famílias. Promover reflexão acerca das coisas da vida virou doutrinação, dizer ‘não’ passou a ser proibido e, nas escolas estaduais, as metas industriais, os slides e os aplicativos que geram cifrões imensuráveis aos donos das big techs de educação têm escanteado professores e professoras para um lugar onde jamais estiveram: longe de seus alunos.
No Brasil, a criação do Dia do Professor está associada com a Lei de 15 de outubro de 1827, assinada por D. Pedro I. Nesse documento, ficou estabelecido que em todas as cidades do país, seriam construídas escolas primárias de ensino elementar. Na época, elas eram chamadas de “Escolas de Primeiras Letras”. A ‘comemoração’, entre muitas aspas, começou somente 120 anos depois, em 1947, quando se formou a “Comissão Pró-oficialização do Dia do Professor” transformando o projeto na Lei Estadual nº 174.
O dia 15 de outubro, contudo, passa quieto, despercebido, sem fazer alarde. Não é feriado, não é ponto facultativo, não é dia de reflexão ou de descanso para o profissional que cria todas as outras profissões. Celebramos a República, santos de todos os credos, até os mortos têm feriado em seu dia, mas o professor não. Quando tem, é por piedade ou vergonha de alguma autoridade escolar.
Ser professor, hoje, no Brasil, em especial nas escolas do estado, se tornou o maior ato de resistência e rebeldia contra o sistema que se pode ter. Tudo tem sido feito para que o professor desista. Burocracias aumentadas, planilhas que não têm a menor serventia, planejamentos inóspitos e desnecessários, censura, violências (mais do governo do que dos alunos), condições desumanas de trabalho e práticas compulsórias, que não têm o menor respaldo pedagógico, enfiadas goela abaixo de profissionais outrora respeitáveis. Tudo bem projetado para que o ‘inimigo’ desista de lutar e formar gente crítica e reflexiva.
Por isso, se você é professor ou professora, sinta-se abraçado e saiba que você está do lado certo da história. O tempo dirá. Se você não é professor ou professora, abrace um hoje e diga ‘obrigado’ por sempre ter estado aí, mesmo quando tudo impelia para desistir. Aos meus professores e professoras, expresso a maior gratidão do mundo. Eu não seria nada sem vocês. Muito obrigado. Sintam-se abraçados por essas palavras e frases.
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