Estudantes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) utilizam verba arrecadada em “vaquinha” para iniciar o pagamento de multa, resultado da condenação judicial após protesto contra o aumento da refeição no Restaurante Universitário (RU) em 2018.
A justiça determinou que a pena aplicada no valor de R$ 73,2 mil seja quitada até o próximo dia 20 de junho pelos sete estudantes condenados civilmente na ação.
Porém, os condenados solicitaram à Procuradoria Federal o pagamento de uma entrada equivalente a 30% do total e o parcelamento do restante do valor em seis parcelas.
Assim, segundo a advogada que defende a comunidade estudantil, caso a parte contrária não esteja de acordo com a proposta, o juiz terá que tomar nova decisão para manter o prazo de pagamento ou redefini-lo.
A “vaquinha” contou com a ajuda de estudantes, professores e técnicos administrativos da universidade, além da contribuição dos sindicatos envolvidos no caso.
Entenda o caso
O processo é decorrente de uma manifestação estudantil que ocorreu em 2018 devido ao aumento do preço das refeições oferecidas no Restaurante Universitário.
Na época, a refeição custava R$ 1,80 e, após uma assembleia institucional para contenção de gastos, a refeição passaria a custar R$ 4,50, o que representa um aumento de 150%.
Diante de tal situação, estudantes de diversos cursos da UFSCar decidiram manifestar a insatisfação com o aumento expressivo das refeições, uma vez que muitos alunos dependem do restaurante para se alimentarem e o reajuste do valor impactaria diretamente no orçamento dos discentes.
Dessa forma, os estudantes ocuparam o prédio da reitoria da universidade durante três dias para deliberar sobre o reajuste com a gestão da universidade e tentar negociar um preço menor e mais justo pelas refeições.
“A ocupação do prédio foi uma ação política de pressionar para que houvesse diálogo, já que os conselhos eram realizados de portas fechadas, de forma que os estudantes não podiam participar. Nós tentamos pedir fala nos conselhos, tentamos uma conversa com a reitoria, mas não éramos ouvidos. Então, o modo que os estudantes encontraram foi ocupar o prédio da reitoria para ver se assim a reitora nos ouvia”, explicou o ex-estudante do curso de Ciências Sociais da UFSCar e um dos alunos condenados no processo, Eduardo José Rezende Pereira.
No último dia da ocupação, a polícia foi acionada para acompanhar a reintegração de posse do prédio da reitoria pela gestão e funcionários acadêmicos, além do processo aberto pela ex-reitora da universidade e atual secretária da Educação, Wanda Hoffmann, contra os estudantes.
O processo se deu sob as premissas de que a ocupação estudantil estaria impedindo que os funcionários da universidade desempenhassem suas respectivas funções no prédio.
“O prédio foi ocupado em uma quarta-feira e os trabalhadores da reitoria puderam retirar seus materiais de trabalho e levar para outro local para que pudessem continuar desempenhando suas funções. Então, os funcionários não foram impedidos de trabalhar, conforme foi alegado”, contou Pereira.
Segundo o egresso da universidade, o Conselho Universitário, órgão máximo de deliberação dentro do universo acadêmico, votou para que o processo contra os estudantes fosse retirado, porém a ex-reitora decidiu manter a ação judicial.
“O conselho votou para que o processo fosse retirado, porque ele entendia que essa ação não fazia sentido, mas mesmo assim ela o manteve, ou seja, ela criminalizou estudantes, foi autoritária por não ouvir a comunidade estudantil e desrespeitou o órgão máximo de deliberação, que inclusive está acima dela”, afirmou Pereira.
De acordo com Pereira, a criminalização dos estudantes se deu de forma injusta e irregular, pois a ocupação, que contou com a participação de cerca de 50 estudantes, representava a insatisfação de toda a comunidade universitária diante do aumento expressivo das refeições, porém, a ação acabou com o processo e a condenação de somente sete alunos.
“A maior indignação é que houve muitas tentativas de diálogo. Estudantes, professores e técnicos administrativos mostraram com dados que não fazia sentido aumentar o preço da refeição. Porém, o que recebemos da instituição foi o cerceamento dos espaços de debate e posturas antidemocráticas. Então, o sentimento que foi gerado a partir disso foi muita indignação no plano pessoal e no coletivo, porque isso mancha a história de uma instituição que é pioneira na prática de políticas de inclusão social na cidade”, relatou Pereira.
O que diz a universidade
Em nota, a atual gestão da universidade afirmou que “lamenta a criminalização dos estudantes envolvidos no protesto e que repudia a interrupção do diálogo com quaisquer categorias da comunidade universitária em momentos de reivindicação pela ameaça de criminalização”.
Já o Sindicato dos Docentes em Instituições Federais de Ensino Superior dos Municípios de São Carlos, Araras, Sorocaba e Buri (AdUFSCar) esclarece que “as entidades representantes de categorias da UFSCar têm se reunido com os estudantes e a advogada do caso para que seja iniciada uma campanha de arrecadação de fundos a fim de quitar a dívida”.
Ademais, a diretoria da AdUFSCar reitera que se solidariza com os estudantes condenados e com o movimento estudantil, pois acredita que esta postura é essencial para reforçar a luta da comunidade universitária e a democracia na instituição.
Posicionamento da ex-reitora da universidade
Segundo a ex-reitora Wanda Hoffmann, os estudantes foram responsáveis por uma série de ações que atacaram a estrutura física da universidade, ao retirarem computadores e servidores do prédio para colocá-los em locais inapropriados, e o direito de ir e vir dos funcionários, a partir da ocupação do prédio.
Wanda alega que primeiramente fora aberta uma ocorrência contra os atos dos estudantes envolvidos e que o processo contra tais alunos se deu após a comprovação das irregularidades por eles cometidas.
“Não foi a minha vontade chegar lá e submeter (o processo). Essa questão é uma questão institucional que ocorreu, tanto que foi uma grande surpresa para mim os caminhos que se seguiram, porque, a hora que esse caso chegou à Polícia Federal, todos tiveram que falar a verdade dos acontecimentos e as provas efetivamente mostraram isso. Em outros anos, fazia-se manifestações, mas eram avisadas, havia diálogo. Mas dessa vez não, chegaram empurrando, fazendo e acontecendo. Então, a justiça julgou e avaliou e agora independe da gente qualquer resultado”, afirmou Hoffmann.