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CotidianoFilósofo José Arthur Giannotti era referência crítica do pensamento marxista

Filósofo José Arthur Giannotti era referência crítica do pensamento marxista

Em debates ou por meio de artigos na imprensa, o nome de Giannotti se destacou em discussões sobre temas relevantes da política nacional

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Professor e filósofo José Arthur Giannotti morreu aos 91 anos. (Foto: Divulgação / Cebrap)

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Conta a lenda que Tales de Mileto (c. 624-546 a.C.), o primeiro de todos os filósofos gregos, caiu em um buraco enquanto meditava olhando para o Sol. Em 1947, em São Paulo, aos 17 anos de idade, José Arthur Giannotti passou a se interessar pela filosofia. E de tanto que se envolveu com ela e com outros assuntos, não se preparou para as provas e foi reprovado naquele ano na escola.

Apesar do prejuízo para seu histórico escolar ao se interessar por essa área do conhecimento, o jovem fez uma boa escolha. Em menos de duas décadas ele começou a publicar obras que tiveram repercussão em outros países, principalmente na França, onde foram traduzidas. E nos anos seguintes se tornou um dos estudiosos da filosofia mais influentes do Brasil.

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O filósofo morreu nesta terça-feira (27), aos 91 anos. A morte foi confirmada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), entidade da qual Giannotti foi um dos fundadores. A causa não foi informada.

“É com imensa tristeza que o Cebrap recebe a notícia do falecimento de um de seus fundadores, o prof. José Arthur Giannotti. Aos familiares e amigos que tiveram o privilégio de conviver com Giannotti, um dos maiores intelectuais brasileiros, nossas sinceras condolências”, afirmou, em nota.

Nascido em São Carlos (SP) em 25 de fevereiro de 1930, Giannotti se mudou aos 9 anos para a capital paulista com seus dois irmãos, sua mãe e seu pai, que fora convidado para assumir a chefia da contabilidade de uma empresa.

Além de vários livros de Alan Kardec e de outros autores sobre o espiritismo, seu pai, que era adepto dessa religião, tinha em casa uma biblioteca diversificada, que permitiu a José Arthur, ainda no curso primário, o contato com muitas obras. “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin (1809-1882), foi o primeiro livro que ele leu.

A avidez do jovem Giannotti pela leitura o levou a frequentar diariamente a biblioteca no centro de São Paulo que poucos anos depois recebeu o nome de Mário de Andrade.

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Impressionado pelo entusiasmo dos jovens frequentadores da biblioteca, o diretor Sérgio Milliet -que também foi escritor, poeta, sociólogo e crítico de arte e literatura- promoveu um concurso para escritores infanto-juvenis.

Giannotti ficou em segundo lugar no concurso com um ensaio sobre fábulas. Naquele ano ele conheceu Rudá de Andrade, outro jovem interessado em literatura. O novo amigo comentou com seu pai sobre o círculo de jovens que frequentavam a biblioteca e lá discutiam sobre diversos temas. O resultado dessa conversa foi um convite para os rapazes irem para sua casa.

Foi assim que o jovem Giannotti conheceu o escritor Oswald de Andrade, que o apresentou a outros intelectuais, a começar por Antonio Cândido de Mello e Souza, naquela época professor de sociologia da USP.

O jovem José Arthur passou a frequentar também as discussões na casa de Oswald. Apesar de ser esquerdista, o escritor, aconselhou o rapaz, cada vez mais interessado pela filosofia, a frequentar o seminário sobre Platão coordenado na USP pelo seu amigo direitista Vicente Ferreira da Silva (1916-1963).

O professor de filosofia, que também participava de discussões na casa de Oswald e em sua residência, orientou Giannotti a ler “Paideia: A Formação do Homem Grego”, do alemão Werner Jaeger (1888-1961), uma obra de mais de mil páginas que o jovem estudou com afinco durante seis meses.

Em cerca de um ano, em meio à reprovação na escola, o rapaz estudou também obras de diversos dramaturgos e pensadores gregos, inclusive Platão. Em 1950, quando ingressou no curso de filosofia da USP, ele já tinha uma cultura clássica sólida e muito ampla, incomum para sua idade.

Na USP Giannotti rapidamente ganhou a atenção de João Cruz Costa e Lívio Teixeira, fundadores do departamento de filosofia, e também do francês Gaston-Gilles Granger, de quem teve grande influência no campo da lógica.

Ao deixar o departamento em 1953, retornando para a França de seu período de intercâmbio no Brasil, disse aos demais professores que para ensinar lógica ele recomendava somente Giannotti, que se formara naquele ano. O mestre foi substituído por um docente de outra área, Claude Lefort, que foi a primeira grande influência de Giannotti na filosofia política.

Dois anos depois, Cruz Costa conseguiu abrir três vagas para professores. Mas Jânio Quadros assumiu o governo do estado e proibiu novos comissionamentos, e era por meio desse procedimento que o departamento pretendia fazer as novas contratações, pois não havia concurso aberto.

Depois de lecionar filosofia em uma escola na cidade de Ibitinga, na região de Araraquara (SP) durante um ano e meio, Giannotti foi aprovado em concurso público da Secretaria da Educação do Estado.

Mas pouco depois de começar a dar aulas na escola Brasílio Machado, no bairro da Barra Funda, em São Paulo, o jovem professor de filosofia conseguiu ser aprovado para uma bolsa de doutorado do governo federal na Universidade de Rennes, na França, sob a orientação de Granger.

Em 1956, Giannotti seguiu para a França. Como as aulas do doutorado ocupavam apenas dois dias, ele ia toda semana para Paris, onde foi convidado por Lefort, já de volta ao país, para participar do grupo de estudos e debates Socialismo ou Barbárie, de orientação marxista, mas contrária ao regime da União Soviética e à sua influência sobre o PCF (Partido Comunista Francês).

Os debates do grupo passaram a ser mais intensos no ano da chegada do brasileiro, que coincidiu com a invasão da Hungria pelas tropas da URSS e seus aliados para conter o avanço da revolta popular contra o regime comunista.

De volta ao Brasil em 1958, Giannotti começou a lecionar filosofia da lógica na USP e a participar de debates aos sábados na casa de Ruth e Fernando Henrique Cardoso, ambos do departamento de ciências sociais. O grupo, que não era vinculado a nenhum partido ou entidade política, tinha como foco principal a reformulação da universidade.

Por sugestão do historiador Fernando Novais, o grupo decidiu estudar “O Capital”, de Karl Marx. Cada um dos participantes apresentava um capítulo, mas Giannotti e o economista Paul Singer, incumbidos de ler o texto todo em alemão, promoviam questões em todas as reuniões.

Giannotti retorna a Rennes em 1960 para defender sua tese “John Stuart Mill: O Psicologismo e a fundamentação lógica”, que é publicada em português pela USP em 1964. A partir do golpe militar em abril desse ano, ele e os demais participantes do grupo de estudos na casa de FHC passam a ser vigiados pelos órgãos de segurança.

Em 1966 ele publica “As Origens da Dialética do Trabalho”, seu primeiro livro, em que trata sobre o pensamento do jovem Marx. No mesmo ano nasce Marco, filho dele e da poeta Lupe Cotrim Garaude, professora da ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP).

Em abril de 1969 Giannotti e muitos outros professores da USP são aposentados compulsoriamente com base no regime de exceção vigente a partir do Ato Institucional nº 5, baixado em dezembro de 1968.

Duas semanas depois, sabendo desse afastamento, Granger, tendo se transferido para a Universidade de Aix-en-Provence, convida seu ex-aluno a lecionar na instituição. Mas Giannotti optou por ficar. Naquele mesmo ano ele, Singer, FHC, o sociólogo Octávio Ianni, a demógrafa Elza Berquó e outros pesquisadores fundaram em São Paulo o Cebrap.

Fora das universidades, mas com o apoio de entidades como a Fundação Ford e instituições de pesquisa de outros países, em pouco tempo o trabalho do grupo alcançou credibilidade internacional.

Já veteranos, os membros do Cebrap puseram em prática o que hoje se chama de formação continuada. Enquanto eles pesquisavam, aprendiam sobre outras áreas. Elza ensinava estatística a eles, que também aprendiam filosofia com Giannotti e economia com Singer.

Em 1986 Giannotti estabeleceu no Cebrap o Programa de Formação de Quadros Profissionais, de caráter interdisciplinar na área de humanidades e oferecido a universidades de todo o país. Desde o início o programa teve apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

A partir de 1989 o programa passa a ter apoio da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), mas foi encerrado devido à desistência dessa agência em 2007.

Em 1970 Lupe morre, vítima de câncer.

Nos anos seguintes, o trabalho de Giannotti passa a ser uma referência internacional sobre a obra de Marx. A lógica, que fora sua área inicial de atuação, passou a ser importante para sua análise do pensamento marxista.

Nessa abordagem com suporte na filosofia da linguagem, ele se aprofunda no pensamento do austríaco Ludwig Wittgenstein, e no seu oposto, o alemão Martin Heidegger.

Independente e não alinhada com correntes contrárias ao socialismo, sua análise crítica do marxismo foi continuada em obras como “Exercícios de Filosofia” (1977), “Trabalho e Reflexão” (1983), “Marx, Vida e Obra”, entre outras.

Mas foi com “Certa Herança Marxista” (2000) que Giannotti estabeleceu o ponto crucial de sua crítica ao pensador alemão. A vulnerabilidade do marxismo não está no fracasso do regime soviético, mas na aceitação acrítica da inevitabilidade dos processos históricos que levariam à revolução.

Nesse dogmatismo estaria uma retomada do Espírito Absoluto afirmado por George Hegel e rejeitado por toda a tradição marxista. “Ao cair nesse deslize, Marx impregna todo seu projeto político daquele misticismo lógico que denunciara na teoria hegeliana do estado”, disse Giannotti nesse livro (pág. 189).

Em debates ou por meio de artigos na imprensa, o nome de Giannotti se destacou em discussões sobre temas relevantes da política nacional.

Em 2011, os artigos publicados até então foram reunidos no livro “Notícias no Espelho”, que alguns de seus amigos afirmaram ser seu único livro compreensível, brincando com o estilo denso e pouco acessível de suas obras.

Giannotti chegou a assinar a ata de criação do PT, mas nunca atuou no partido. A folha que ele assinou teria desaparecido. Em tom de brincadeira, ele conta que isso aconteceu de propósito. “Tinha muito burguês”, dizia ele.

Próximo ao PSDB, Giannotti assinou com outros intelectuais em 2014 um manifesto pedindo a união entre o então candidato tucano à Presidência, Aécio Neves, e a ex-senadora Marina Silva, que concorria pelo PSB.

Em 2017, no entanto, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, afirmou: “O PSDB morreu”.

“Quer que eu fale de defuntos? O PSDB não é mais um partido. Funcionava como um partido quando as decisões eram tomadas em bons restaurantes e todos estavam de acordo. Agora isso não há mais. E não existe alguém como Lula para aglutinar todos”, disse, questionado sobre o impasse, na época, de o partido ficar ou não no governo Michel Temer (MDB).

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