Visando a aumentar as chances de cura da leucemia linfoide aguda (LLA), o câncer mais frequente em crianças, médicos oncologistas e pesquisadores da área se reuniram para criar um novo protocolo de tratamento da doença na rede pública brasileira. Enquanto em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, as taxas de sobrevida da LLA superam 90%, o indicador está perto de 70% já há algumas décadas no País.
Em parte, especialistas atribuem o cenário à demora no diagnóstico, mas entendem que a falta de padronização nos tratamentos oferecidos também tem sido decisiva.
Para atacar esse problema, o novo protocolo de tratamento começou a ser formulado em 2019 pelo Grupo Brasileiro para Tratamento da Leucemia Linfoide Aguda (GBTLI), com discussões na Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope).
Concluído neste ano, o documento foi criado para definir classificações do nível de gravidade da LLA e para indicar intervalos entre exames e medicamentos para tratar quadros clínicos distintos. Em casos complexos, os médicos preveem inclusive discutir os tratamentos por videoconferência.
Câncer infantil
Pesquisas acadêmicas indicam que as leucemias linfoides agudas representam 26,8% dos cânceres infantis e 78,6% dos casos de leucemia no mundo. Dois terços dos doentes são meninos.
Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que o câncer já representa a primeira causa de morte (8% do total) por doença entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos. Enquanto isso, os óbitos por leucemia no Brasil representaram 3,1% do total de mortes por câncer em 2017, sendo o oitavo tipo em mortalidade.
Nos EUA, pesquisa da Sociedade Americana de Câncer mostra que a taxa de sobrevida pediátrica para LLA em 5 anos, considerando pacientes de até 19 anos, passou de 57% (no período de 1975-1979) para 90% (de 2003-2009).
Outros países de alta renda, como Canadá, Reino Unido, Alemanha, Suíça e Holanda, também possuíam taxa de sobrevida de LLA em crianças superior a 90% entre 2010 e 2014.
Por outro lado, há uma lacuna em relação a estudos de base populacional sobre a leucemia em crianças no Brasil, e poucos trabalhos dão ênfase, de maneira específica, aos indicadores epidemiológicos da doença. Ainda assim, os levantamentos existentes apontam que o tratamento da LLA vive uma espécie de “platô” no Brasil – não superando a marca de 70% de sobrevida em crianças.
“Ainda não temos um tratamento uniforme para que todas as crianças sejam tratadas da mesma maneira, e isso é um enorme diferencial quando pensamos nos países desenvolvidos ou mesmo em países como Argentina e Chile, onde todos os pacientes seguem o mesmo protocolo terapêutico”, explica a médica Maria Lucia Lee, coordenadora do Serviço de Hematologia Pediátrica do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo e do grupo que trabalha o novo protocolo para tratar a LLA no País.
Segundo os médicos envolvidos, o projeto tentará substituir uma série de diretrizes difusas ou obsoletas que tornam o tratamento da LLA fragmentado no País. Isso, acreditam, tem potencial de melhorar as chances de cura.
O protocolo, que já foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica, inclui nas diretrizes medicamentos incorporados no tratamento prestado pelos centros que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados serão acompanhados ao longo dos próximos meses.
Tratamento
Moradora de Santana, no Amapá, a jovem Fabricia Pantoja, hoje com 17 anos, começou a passar mal com vômito e diarreia no fim de 2017. Depois, teve febre, fraqueza e dor intensa na perna direita, onde apareceram manchas roxas. “Não demos a devida atenção, só que no dia 29 de abril eu desmaiei, e meus pais me levaram ao hospital”, relembra ela, que foi transferida para Macapá e, depois, encaminhada para Belém do Pará.
“Lá, fiz os exames e a suspeita se confirmou, e eu já estava com 50% da medula contaminada pela doença”, conta Fabricia. A partir do diagnóstico, ela iniciou o tratamento com quimioterapia no Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo e, como a doença já estava um pouco avançada, teve de receber quimioterapia pesada.
Como consequência, ela teve mucosite grave, ficando com a boca toda ferida e queda do cabelo, o que ela considera ter sido um dos momentos mais difíceis de todo o tratamento.
Chegou também a não sentir a mão esquerda por um tempo, o que acabou sendo uma consequência da intensidade do tratamento. “Fiquei três anos fazendo quimioterapia, até que em maio de 2021 fiz a minha última quimioterapia e recebi a melhor notícia da minha vida: estou fora de tratamento”, comemora. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.