Uma parceria entre a UFSCar e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolveu um teste portátil e mais barato para o diagnóstico da hanseníase. O novo método é, ainda, pouco invasivo e muito sensível, segundo pesquisadores.
Apontada como doença tropical negligenciada, a hanseníase tem sua eliminação no horizonte da Organização Mundial de Saúde para os próximos 10 anos. Porém, a doença persiste como problema de saúde pública no Brasil, país que concentra 14% dos 200 mil novos casos anuais no mundo.
“Não existe nenhum teste no mercado que permita a identificação sorológica desses pacientes. O que tivemos até hoje foram as pesquisas, e a questão da sensibilidade era o principal desafio”, conta Juliana Ferreira de Moura, docente do Departamento de Patologia Básica da UFPR que, junto com Ronaldo Censi Faria, docente do Departamento de Química da UFSCar, orienta os trabalhos que resultaram no teste patenteado. Além deles, são titulares da patente Cristiane Zocatelli Ribeiro e Sthéfane Valle de Almeida, estudantes de doutorado orientadas, respectivamente, por Moura e Faria.
“Nós precisávamos de um método que permitisse, por exemplo, o mapeamento dos casos em comunidades em que a hanseníase é endêmica, como em alguns estados do Centro-Oeste e do Norte do Brasil. A tecnologia desenvolvida pode ajudar muito, quando consideramos que é uma doença tratável e que, assim que o paciente começa a tomar a medicação, ele para de transmitir o bacilo”, situa Moura.
“Quando as pessoas com hanseníase procuram atendimento, é muito comum que o comprometimento já seja grande. Em 2019, por exemplo, 10% dos novos casos no Brasil, cerca de duas mil pessoas, já tinha o chamado comprometimento de grau dois, com perda de acuidade visual e dificuldade, por exemplo, de segurar um copo. Por isso também a relevância do diagnóstico precoce”, complementa a docente da UFPR.
A pesquisadora busca alvos para uso no diagnóstico de diferentes doenças e, há cerca de 10 anos, tinha a hanseníase entre os focos do seu trabalho. A partir de uma proteína específica do Mycobacterium leprae já bastante conhecida, os estudos identificaram o peptídeo – pequeno pedaço da proteína – contra o qual há formação de anticorpos quando a pessoa entra em contato com o bacilo.
“Esse peptídeo pode ser sintetizado e usado como ‘isca’ para os anticorpos. A especificidade da ligação entre essas duas moléculas, peptídeo e anticorpo, permite que o anticorpo seja detectado no soro dos pacientes e, assim, identificado o contato com o bacilo”, explica a docente da UFPR.
Após a identificação do peptídeo, ainda faltava uma plataforma para testes mais sensíveis, capazes, por exemplo, de detectar a infecção já no seu início. “Nós temos contato com o grupo do Instituto Senai de Eletroquímica em Curitiba, formado em grande medida por ex-alunos do Ronaldo, e foi assim que conheci o trabalho que ele desenvolve com os sensores eletroquímicos”, relata Moura.
O teste vem se somar a uma série de outros dispositivos desenvolvidos pelo grupo de Faria no Laboratório de Bioanalítica e Eletroquímica, como os dispositivos para diagnóstico precoce de Alzheimer, alguns tipos de câncer e, mais recentemente, também Covid-19.
Essas plataformas, dentre outras características, funcionam justamente a partir desse mecanismo chave-fechadura entre duas moléculas – no caso, peptídeo e anticorpo – que, quando se ligam, emitem sinal eletroquímico que pode ser lido nos dispositivos desenvolvidos. No teste para diagnóstico da hanseníase, quanto mais bacilos presentes no paciente, mais anticorpos ele desenvolve e, quanto mais anticorpos, maior o sinal eletroquímico medido, o que leva a um outro diferencial importante da tecnologia.
Os pacientes com hanseníase são divididos em dois grupos, pauci e multibacilares. Pacientes paucibaciliares têm poucos bacilos, o que é positivo para o tratamento – cujo protocolo é de seis meses de medicação, frente a um ano para multibacilares -, mas dificulta o diagnóstico sorológico, pois também é baixo o número de anticorpos.
“O principal diferencial do teste que desenvolvemos é justamente a possibilidade de detecção de anticorpos em pacientes paucibacilares. Além disso, a técnica consegue diferenciar pauci e multibacilares, o que pode ajudar na orientação do tratamento”, registra Almeida. “Além dessas vantagens, junto ao baixo custo e à portabilidade, a técnica empregada exige menos reagentes e, assim, também menos material coletado, no caso, o sangue do paciente para a extração do soro”, complementa Faria.
Agora, falta apenas um passo para que os testes estejam disponíveis e, assim, fazendo a diferença na vida de milhares de pessoas ao redor do mundo. A patente – bem como outras do grupo, inclusive a de Covid-19 – aguarda empresas interessadas na produção em larga escala.
Os estudos e esforços de pesquisa que resultaram no teste contaram com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).