O uso de câmeras corporais pelas polícias brasileiras tem avançado nos últimos meses. Após anos com iniciativas pontuais, a tecnologia na farda dos agentes já é adotada permanentemente em três Estados (São Paulo, Santa Catarina e Rondônia), enquanto outros nove realizam testes e 11 estudam adotar o equipamento.
Mais dois Estados estão em fase de compra para fazer testes e apenas Acre e Sergipe afirmaram não planejar a adoção. A queda em ocorrências de letalidade, como a observada em São Paulo, chamou a atenção dos gestores e tem motivado a multiplicação do monitoramento eletrônico dos agentes em todas as regiões do País.
A adoção da tecnologia pode ganhar mais adesão a partir da finalização de uma diretriz elaborada pelo Colégio Nacional de Secretários de Segurança (Consesp), que reúne gestores de todos os Estados. Neste mês, eles finalizaram a minuta de um procedimento padrão sobre o uso das câmeras a ser adotado em todo o Brasil.
As câmeras corporais filmam a atividade policial com objetivo de monitorar a legalidade da interação com os cidadãos, o que pode reduzir casos de violência, mas também podem auxiliar na produção de provas a partir das ocorrências. Podem ainda ajudar os agentes, uma vez que a localização dos casos é acompanhada com mais precisão.
Registros das câmeras corporais já serviram tanto para apontar supostos crimes como para inocentar e destacar atitudes corretas de policiais em ação. Em novembro do ano passado, policiais no interior de São Paulo foram flagrados por dispositivos instalados nas próprias fardas executando um jovem acusado de roubo, desarmado e rendido. Os PMs alteraram a cena do crime e colocaram armas em cima e ao lado do corpo para simular que houve resistência, de acordo com a investigação.
O jovem era suspeito de assalto a um mercadinho. Quando oficiais e outros PMs chegaram ao local, eles contaram uma versão falsa do acontecido. Mesmo com a tentativa dos policiais de obstruir as câmeras, as imagens e os diálogos captados serviram para a abertura de uma investigação pela Corregedoria da PM. Os quatro policiais foram denunciados por homicídio, fraude processual e prevaricação.
Mas as imagens da câmera fixada no colete de um policial o isentou de culpa pela morte de um suspeito durante abordagem em uma comunidade da zona sul da capital paulista, também em novembro.
Moradores e familiares disseram que o policial atirou em um homem desarmado. As gravações, entretanto, mostraram que o homem portava uma arma de fogo quando foi atingido. Em outra abordagem, também na capital, a câmera corporal mostrou que o PM agiu corretamente ao não disparar sua pistola contra um homem aparentemente armado que ameaçava os familiares. O policial percebeu que a arma era um simulacro e fez uso de arma de choque para imobilizar o agressor.
Expansão
No Estado de São Paulo, o programa vai ganhar 7 mil novas câmeras, totalizando 9,5 mil equipamentos em uso. As primeiras 2,5 mil câmeras portáteis foram distribuídas aos policiais militares de 18 batalhões, alcançando as áreas consideradas mais relevantes para a segurança pública. Além da Rota e de batalhões da capital, foram atendidos os Batalhões de Ações Especiais de Polícia (Baep) de São José dos Campos, Campinas e Santos. Elas passaram a ser usadas em junho de 2021.
O sistema inclui câmeras, roteadores, planos de dados que permitem acesso remoto, transmissão ao vivo e espaço para armazenamento ao custo de R$ 5,5 milhões por mês (R$ 786 mensais por câmera). São Paulo usa a gravação contínua, ou seja, as câmeras não podem ser desligadas pelos policiais e são controladas à distância, com transmissão em tempo real. A rotina diária de trabalho fica registrada por 90 dias – os flagrantes e abordagens críticas são armazenados por um ano. As gravações são colocadas à disposição da Justiça, se necessário.
O uso de câmeras, aliado a outras medidas adotadas desde maio de 2020 pelo comando da Polícia Militar, levou a redução de 45,1% na quantidade de mortes em confronto policial. A retração interrompeu e reverteu sequência de alta no número de óbitos. Conforme dados da PM, a média de janeiro de 2019 a maio de 2020 foi de 65 mortes por mês. Já no período de junho de 2020 a janeiro de 2022, a média mensal foi de 35,7 óbitos.
A assessoria de imprensa da PM indica que não se pode afirmar que as câmeras reduziram, sozinhas, as mortes. Houve a compra de equipamentos não letais, ampliação da investigação técnica dos confrontos, depuração interna das tropas e maior atenção à saúde mental do policial.
Queda em SC
A redução aconteceu também em Santa Catarina, segundo dados da PM. A taxa de mortes em confronto com as polícias civil e militar caiu 19,6% em 2021, em comparação com o ano anterior. Com a redução na letalidade – morte por 100 mil habitantes – de 1,19 em 2020 para 0,95 no ano passado. Houve 21 óbitos a menos.
Para a PM, a queda está relacionada ao uso de 2.245 câmeras corporais desde julho de 2019. Resultados como esses animaram os gestores do Estado de Rondônia para triplicar o número de câmeras corporais e estender o uso à Polícia Civil. Atualmente, 1.250 equipamentos são usados pela PM. Um processo está em andamento para compra de mais 1.250 câmeras. Outro lote com a mesma quantidade será adquirido no segundo semestre de 2022.
Diretriz única
O Colégio Nacional dos Secretários de Segurança Pública (Consesp) deve encaminhar nas próximas semanas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública uma proposta de procedimento padrão para o uso das câmeras a ser adotado em todo o país. A minuta foi apresentada aos secretários no dia 10 de fevereiro, mas, na reunião, surgiram demandas novas, segundo o presidente Júlio Danilo Souza Pereira, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. “Uma das questões é a fonte de financiamento. São sistemas caros e precisamos ver como será custeado”, disse.
Houve avanços, segundo ele, nas discussões sobre como e quando as câmeras serão usadas. “De forma geral, nas ações ostensivas de rua, com revistas pessoais, no atendimento às ocorrências e em abordagens, mas ainda discutimos se todos os policiais usarão e se as imagens serão gravadas o tempo todo”, disse. Pereira avalia que há consenso entre os secretários de que se trata de uma inovação importante. Mas para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, o uso da câmera como medida única e milagrosa tende a não funcionar. “Se você não faz uma implantação com clareza de objetivos, com protocolos bem definidos, a resistência por parte da tropa é maior.”
Ela lembra que houve propagação, até por parlamentares bolsonaristas, de que a câmera representa um controle excessivo do trabalho do policial. “Infelizmente, muitos de nossos policiais têm uma forma de agir muito violenta. Se não houver uma preparação prévia, uma definição clara do que será feito com as imagens, é difícil dar certo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.