BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Paulo Guedes (Economia) disse nesta terça-feira (3) que o governo não tem capacidade para o pagamento de todos os precatórios programados para 2022 e por isso está propondo o parcelamento dos valores. “Devo, não nego; pagarei assim que puder”, afirmou.
Segundo ele, a medida em discussão com o Congresso não vai levar à falta de pagamento dos precatórios – dívidas do Estado reconhecidas pela Justiça. “Não haverá calote”, afirmou, em evento virtual promovido pelo site Poder 360.
Guedes afirmou que o volume de quase R$ 90 bilhões em precatórios previstos para 2022 consumiria todo o espaço extra no espaço do teto de gastos no ano que vem (que era calculado pelo governo em torno de R$ 30 bilhões). “O número extrapolou qualquer possibilidade de reserva de nossa parte”, disse.
A solução via PEC (proposta de emenda à Constituição) foi sugerida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, segundo Guedes. “[Foi] sugestão do próprio ministro Gilmar Mendes, eu estava surpreso com o conteúdo e liguei para ele. Ele disse ‘olha, já aconteceu antes e há soluções”, afirmou Guedes.
A proposta do governo tem como objetivo fazer os “superprecatórios”, acima de R$ 66 milhões (mil vezes o salário mínimo), terem pagamento parcelado com 15% de entrada e mais nove prestações anuais. A regra valerá também para novos precatórios nesse valor a entrarem nas contas do governo a partir de 2022.
A proposta também trará um teto para o pagamento dos precatórios. De acordo com integrantes do governo, esse limite será de 2,6% da receita corrente líquida – o que corresponde a R$ 27,9 bilhões em 2022, de acordo com as previsões do governo (com isso, R$ 41 bilhões do total previsto para o ano que vem serão alvo do parcelamento).
O teto para precatórios não seria aplicado às chamadas requisições de pequeno valor (as RPV), de até R$ 66 mil, que continuariam a ter seus pagamentos feitos de forma imediata. A regra atualmente estabelece um prazo de 60 dias após a determinação judicial.
“Os superprecatórios já estão [pela proposta] automaticamente parcelados. Os pequenos, justamente os mais vulneráveis, terão garantido o pagamento pronto e imediato”, afirmou.
De acordo com Guedes, será possível pagar todas as RPVs sem ultrapassar o limite da receita corrente líquida estabelecido na proposta. E, caso ainda haja espaço nessa margem, os pagamentos imediatos serão expandidos para valores ainda maiores.
“Suponha que, dentro desse limite […], dê para pagar todas as RPV […] e ainda tenha espaço para pagar mais. Aí vamos subindo em ordem ascendente. Até R$ 70 mil, R$ 100 mil, R$ 150 mil, R$ 200 mil”, afirma.
“Nós fizemos os cálculos e achamos que todas as sentenças menores do que R$ 450 mil serão pagas à vista, pelo menos nos próximos anos”, disse. “Todo esse pessoal vai ser atendido. Só os maiores serão parcelados”, disse.
A proposta de Guedes, ainda em discussão, também criaria um fundo para os pagamentos de precatórios com recursos oriundos de ativos da União, como imóveis, participações em estatais e dividendos pagos por elas. “Nós podemos até acelerar o pagamento desses precatórios [parcelados], usando moedas de privatização”, afirmou.
“Podemos fazer o seguinte. Os superprecatórios estão em uma fila. Grande parte estão em fundos de precatórios em grandes instituições financeiras, que por sua vez compraram por deságio. Elas passam a ter duas opções. Esperam na fila ou conseguem converter a valor face nos programas de privatização. Podemos criar um fundo patrimonial para acelerar o pagamento desses precatórios”, afirmou.
“O que estamos fazendo é transformar uma crise em uma oportunidade de transformação do Estado. Quando o ritmo de obrigações contra o Estado é muito rápido, maior do que a nossa capacidade de pagamento, temos que fazer como fazem todos os cidadãos. Vende uma casa de campo, vende o carro para pagar uma dívida e continuar solvente. Então podemos oferecer essa alternativa”, disse.
“Inclusive, estou criando esse fundo para que, vendendo as estatais, vocês possam usar o mais rápido possível, como era possivelmente a intenção de todos esses grupos [privados] que entraram acumulando essas dívidas”, afirmou.
Guedes reconheceu que o crescimento dos precatórios pode representar uma falha de monitoramento e atuação do governo, mas ressaltou que desde o ano passado já cita uma possível “indústria” de precatórios contra o governo.
“Você fala assim: – Vocês dormiram no ponto? – Possivelmente sim. O governo em alguma coisa falhou. Nós sabíamos, eu reclamei do ritmo de crescimento. Mas sinceramente não havia o que pudéssemos fazer. Isso vem do espaço exterior, de instâncias às quais não temos alcance”, afirmou.
“Pode ter havido culpa nossa, vou correr atrás. Mas reagimos rápido. Formulamos em 10 ou 12 dias, assim que recebemos o número do Ministério da Justiça, liguei para o STF, para o presidente da República”, disse.
Gilmar Mendes, do STF, participou do evento virtual e foi questionado sobre como garantir que a PEC não seja vista como inconstitucional. Ele não quis comentar o tópico diretamente. “Certamente, não vou emitir juízo sobre essa questão agora porque esse tema acaba sendo judicializado”, afirmou.
Mesmo assim, Gilmar afirmou que considera equivocada uma decisão anterior do STF (a emenda 62, de 2000) que, na época, viu inconstitucionalidade em regra que parcelaria precatórios.