SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Petrobras perdeu R$ 28,2 bilhões em valor de mercado nesta sexta-feira (19), após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciar que quer mudanças na estatal o que foi interpretado pelo mercado como interferência, apesar do mandatário negar.
“Teremos mudança sim na Petrobras. Jamais vamos interferir nesta grande empresa e na sua política de preços, mas o povo não pode ser surpreendido com certos reajustes”, disse Bolsonaro nesta sexta.
As ações preferenciais (mais negociadas) da estatal fecharam em queda de 6,63%, a R$ 27,33 cada. Durante o pregão, chegaram a cair 7,17%.
As ordinárias (com direito a voto) tiveram queda de 7,92%, a R$ 27,10, a maior queda da sessão.
Com a desvalorização, a capitalização da estatal foi de R$ 383 bilhões na véspera para R$ 354,79 bilhões nesta sexta.
Na Bolsa de Nova York, as ADRs (certificados de ações negociados nos Estados Unidos) da Petrobras fecharam em queda de 7,12%, a US$ 10,05 (R$ 54,11).
Com o anúncio da indicação do general Joaquim Silva e Luna como novo presidente da Petrobras por Bolsonaro, as ADRs chegaram a cair 11,24% no after-market de Wall Street, negociações após o fechamento do pregão, a US$ 8,92 (R$ 48).
Por volta de 20h40, as ADRs recuam 8%, a US$ 9,24 (R$ 49,75).
No Brasil, a Bolsa de Valores está funcionando com o pregão estendido, das 10h às 18h, para acompanhar o mercado americano, sem after-market.
Na quinta (18), durante sua live semanal, o presidente afirmou que vai ter consequência a fala do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, que dias atrás havia dito que a ameaça de greve de caminhoneiros não era problema da empresa, que reajustou o preço do diesel e da gasolina nesta sexta.
Bolsonaro disse que “não tem quem não ficou chateado com o reajuste” e fez críticas a Castello Branco.
“Você vai em cima da Petrobras, ela fala ‘opa, não é obrigação minha’. Ou como disse o presidente da Petrobras, há questão de poucos dias, né, ‘eu não tenho nada a ver com caminhoneiro, eu aumento o preço aqui, não tenho nada a ver com caminhoneiro’. Foi o que ele falou, o presidente da Petrobras. Isso vai ter uma consequência, obviamente”, disse Bolsonaro.
As falas incomodaram o mercado.
“Mais uma vez uma fala do presidente mexe na ação [da Petrobras]. [A live] mostra o governo interferindo na empresa, e o mercado não gosta [de interferência]. Apesar do reajuste, a Petrobras segue defasada em cerca de 7% com relação ao preço internacional do petróleo”, diz Rodrigo Moliterno, chefe de renda variável e sócio da Veedha Investimentos.
“Continuamos a ver riscos para os resultados futuros da Petrobras tanto em termos de menores margens de refino como também devido a riscos de que a companhia tenha que realizar importações a prejuízo para manter o mercado local abastecido”, diz relatório da XP Investimentos.
“É um discurso contraditório ao da eleição, no qual ele defendia a independência das estatais, mas não surpreende. No ano passado já tivemos ruídos e em janeiro tivemos tentativa de intervenção no Banco do Brasil”, diz Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos.
No mês passado, o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, foi ameaçado de demissão por Bolsonaro após atritos com relação à reestruturação do banco.
Em reunião nesta quinta, Bolsonaro defendeu a saída de Castello Branco da presidência da Petrobras. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a estratégia é pressionar o executivo a pedir demissão até a reunião do conselho da petroleira, marcada para a próxima terça (23).
Para amigos, o executivo afirmou que não deixará o cargo.
Moliterno vê como negativa uma possível troca no comando da empresa. “Castello Branco está fazendo um excelente trabalho”.
O nome apoiado por partidos do chamado centrão, nova base aliada de Bolsonaro, é do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Independente de quem assuma, o mercado vê a mudança como negativa.
“O problema aqui seria o processo, e não a pessoa.
Em outro cenário, [Bento Albuquerque] poderia ser uma boa opção, mas o mercado hoje reagiria mal com a saída do Castello Branco por conta da interferência política que já prejudicou a Petrobras algumas vezes”, diz Joelson Sampaio, professor da FGV.
O imbróglio bateu nas ações de outras estatais.
O Banco do brasil recuou 1,89% na sessão, a maior queda dentre os grandes bancos. Já a Eletrobras retrocedeu 1,32%.
“Interferência política sempre atrapalha a governança das estatais”, afirma Sampaio.
Castello Branco é respeitado pelo mercado financeiro e sua gestão é bem avaliada por investidores, mas sua saída é dada como certa por analistas.
Na tentativa de impedir o derretimento das ações da companhia, os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) começaram uma “operação abafa” para demover Bolsonaro da troca.
Luis Sales, analista da Guide Investimentos, diz que as recentes declarações do presidente indicam que algo pode acontecer na companhia nos próximos dias, o que gera um certo grau de incerteza entre investidores.
“Vale dizer que os aumentos divulgados pela estatal nos últimos meses têm o objetivo de contrabalancear as perdas obtidas durante 2020 por conta do isolamento social e a consequente diminuição na demanda por combustível”, afirmou Sales em relatório.
“O que tem circulado no mercado é que hoje baixou a Dilma no Bolsonaro”, diz Simone Pasianotto, economista-chefe da REAG Investimentos.
O governo de Dilma Rousseff interferiu na estatal para controlar os preços dos combustíveis e evitar inflação, causando prejuízo bilionário à companhia.
“Para os acionistas da Petrobras é primordial a independência da política de preços da empresa.
Os negócios no mercado de capitais se pautam nos fundamentos financeiros e microeconômicos das empresas. Intervenções políticas são interpretadas como ruídos que sujam o valor da empresa”, completa Simone Pasianotto.
O Ibovespa recuou 0,64%, a 118.430,53 pontos, pressionado pela queda dos papéis da petroleira.
Na sessão, a B2W teve ganho de 6,81%, enquanto sua controladora Lojas Americanas subiu 1,39%. Após o fechamento do pregão, ambas anunciaram planos para potencial combinação de negócios.
O GPA (Grupo Pão de Açúcar), que divulga balanço do quarto trimestre na próxima terça, subiu 3,26%.
Sua unidade de atacarejo Assaí, que está sendo cindida, apresenta seus números um dia antes, na segunda, após o fechamento do pregão.
Já a CSN avançou 3,22%, após a S&P elevar o rating da companhia de “B” para “B+”, com perspectiva positiva.
A siderúrgica levantou recursos com a venda de uma fatia na CSN Mineração, que fez sua estreia na Bolsa na quinta-feira.
A Locaweb, por sua vez, disparou 14,6%, após ter anunciado na véspera a compra de duas plataformas de ecommerce: Credisfera, de soluções de crédito para pequenas e médias empresas, e Dooca, que ajuda lojistas a montar loja virtual
O IBR Brasil RE recuou 3,91%, após a resseguradora anunciar prejuízo de R$ 620,2 milhões entre outubro a dezembro, afetada por reversão de crédito tributário no exterior, entre outros fatores. Em 2020, o prejuízo foi de R$ 1,5 bilhão.
O dólar fechou em queda de 1,08%, a R$ 5,3840, em meio a apostas de que o Banco Central pode ser levado a adotar um tom mais duro e subir os juros já no mês que vem diante da escalada da inflação.
O dólar turismo está a R$ 5,563.
Com a baixa desta sexta, a cotação reduziu os ganhos na semana para 0,20%. Em fevereiro, o dólar recua 1,72%, mas ainda sobe 3,72% em 2021.
Mais duas instituições financeiras (Itaú Unibanco e Credit Suisse) revisaram para cima suas projeções para a inflação devido a pressões no atacado, entre outros fatores.
Além disso, Itaú aumentou sua estimativa para a Selic ao fim de 2022, enquanto o Credit Suisse ressalvou que trabalha com um cenário “não desprezível” em que o Copom precise continuar a aumentar os juros a ponto de remover completamente o estímulo monetário.
Na curva de juros, as taxas para julho 2021 e janeiro 2022 chegaram ao fim da tarde em alta de até 4,5 pontos-base, variação chamativa considerando contratos de curto prazo e que sinaliza apostas de juros ainda mais altos até o fim de 2021.
O juro básico da economia está em 2% ao ano, mínima histórica, o que deixa o juro real em território negativo.
A volatilidade realizada de 21 dias úteis da taxa de câmbio dólar/real caiu a 18,4%, ante pico de 24,7% no começo do mês.
E a volatilidade implícita para três meses recuou a 16,2%, ante pico perto de 20% no fim de janeiro e nos menores níveis em cerca de 11 meses.