BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Além da já esperada aglomeração em plena pandemia de Covid-19, a eleição para a Mesa Diretora da Câmara teve bate-boca entre os grupos aliados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ao deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que encerra nesta segunda-feira (1º) seu mandato de presidente da Câmara, além de acusações de tapetão dos dois lados.
A votação, presencial a pedido dos aliados de Arthur Lira (PP-AL), nome de Bolsonaro, lotou corredores da Câmara, em um volume de pessoas que tornou inócuos quaisquer cuidados para conter a disseminação do novo coronavírus.
Lira e seus aliados também concederam inúmeras entrevistas ao longo do dia que provocaram aglomerações de deputados, jornalistas e assessores.
Baqueada pelas baixas sofridas nos últimos dias, em especial a do DEM, partido de Maia, a campanha de Baleia Rossi (MDB-SP), candidato do atual presidente da Câmara, passou a maior parte do dia sem se manifestar.
Mais que isso: o presidente do MDB não deu as caras na Casa até o início da noite.
O grupo do candidato de Maia quase sofreu mais desidratações.
As bancadas do PSDB e do Solidariedade chegaram a fazer listas para aderir ao bloco de Lira, mas dirigentes desses partidos, a pedido de Maia, fizeram uma ofensiva final e conseguiram mantê-los no bloco de Baleia.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disparou telefonemas para deputados da bancada e lembrou que a candidatura presidencial do partido em 2022 pode ser prejudicada caso a legenda apoiasse o nome de Bolsonaro.
O discurso também foi adotado pelo presidente nacional do Solidariedade, Paulinho da Força, que havia prometido o apoio da sigla a Maia.
Além disso, a campanha de Baleia protagonizou uma confusão no registro de blocos.
A Mesa Diretora e a Secretaria-Geral da Mesa haviam acertado que a formalização da adesão dos partidos a cada grupo deveria ocorrer até meio-dia.
O tamanho do bloco partidário é relevante porque define a ordem de prioridade de cada partido na escolha de cargos na Mesa Diretora e nas comissões.
Os postos são distribuídos na proporção do número de integrantes dos blocos partidários.
O PT, aliado de Maia, afirmou ter enfrentado dificuldade para registrar a adesão, que ocorreu só às 12h06.
Individualmente, todas as outras legendas da base de Baleia já haviam protocolado seus pedidos de adesão ao bloco. Mas, por causa do atraso do PT, o grupo de Baleia só pediu a homologação do bloco às 13h35.
Maia, em reunião no colégio de líderes, decidiu aceitar o pedido do PT, provocando um bate-boca com Lira e seus aliados. Marcos Pereira (Republicanos-SP), vice-presidente da Câmara neste último mandato de Maia, deixou o encontro colérico.
“O que o presidente Rodrigo está fazendo é um achaque à democracia brasileira. Ele acabou de ser total e completamente parcial na decisão, tanto que ele diz ‘nosso bloco, nós vamos escolher'”, afirmou.
A ideia de judicializar a decisão e levar ao STF (Supremo Tribunal Federal) foi cogitada pelo grupo, mas abandonada menos de uma hora depois, após uma nova reunião entre os aliados de Lira.
“O deputado Marcos Pereira, em um ato de muita dignidade, ele representa o sentimento de todos nós para que nós não compliquemos uma eleição que está ganha, que não pode ser tumultuada na truculência nem na violência”, disse Lira.
Já o deputado José Guimarães (PT-CE) afirmou que o partido tentou cadastrar a adesão no sistema, sem sucesso. “Nós tentamos até 11h59. O secretário da Mesa recebeu a mensagem”, disse. “Eles querem ganhar no tapetão”, afirmou.
Depois disso, os congressistas decidiram as vagas na Mesa Diretora.
Pela definição dos blocos, o PL ficaria com a primeira-vice-presidência, com o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). A segunda-vice-presidência ficaria com André de Paula (PSD-PE).
Para a primeira-secretaria, a candidata é Marília Arraes (PT-PE).
A segunda-secretaria tem como candidata Rose Modesto (PSDB-MS). A terceira-secretaria tem como concorrentes Luciano Bivar (PSL-PE) e Vitor Hugo (PSL-GO), e a quarta ficaria com Joenia Wapichana (Rede-RR).
Se Lira passou a segunda-feira na Câmara finalizando as articulações para conseguir o voto dos deputados, Baleia só apareceu na Casa às 18h30, meia hora antes do horário marcado para o início da sessão.
Em sua chegada à Câmara, Baleia criticou a intervenção do Palácio do Planalto na disputa legislativa e disse que, caso eleito, analisaria já nesta terça-feira (2) os pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
Ele foi recebido na entrada da Casa por deputados de esquerda e de oposição.
“Eu vejo que nosso adversário começa a se preocupar. Ele viu que cada deputado vai refletir o seu voto. Não é possível uma interferência de tal magnitude, com outro Poder querendo interferir na decisão livre e democrática de cada um dos parlamentares”, afirmou o emedebista.
O candidato de Maia ressaltou que sua candidatura representa a defesa da democracia e responsabilidade no enfrentamento da pandemia do coronavírus.
Ele criticou pedido que foi feito por aliados de Lira para que congressistas filmem seus votos, utilizando aparelhos de celular, para comprovar que votaram no candidato de Bolsonaro.
“Temos de votar livremente, não podemos diminuir a importância da Câmara dos Deputados”, disse.
“Se Deus me der a oportunidade de ser presidente da Câmara, vamos analisar a partir de terça-feira essas questões [pedidos de impeachment].”
Na reta final da eleição, Maia sinalizou a aliados que poderia acatar um dos pedidos de impeachment de Bolsonaro. No entanto, nesta segunda, negou que pensasse em dar prosseguimento a um processo de impeachment.
“Eu nunca disse que ia dar [prosseguimento ao impeachment]. Vocês ficam ouvindo as pessoas e não confirmam comigo”, disse Maia.
O deputado Maia tem ao menos 56 solicitações de afastamento do presidente na sua gaveta.
O recuo ocorreu após deputados de centro, como do MDB e do PSDB, demoverem Maia, com a avaliação de que um impeachment não prosperaria hoje, o que poderia fortalecer Bolsonaro e prejudicar uma frente ampla contra o presidente nas eleições de 2022.
Pela legislação, cabe ao presidente da Câmara decidir, de forma monocrática, se há elementos jurídicos para dar sequência à tramitação do pedido.
O impeachment só é autorizado a ser aberto com aval de pelo menos dois terços dos deputados (342 de 513) depois de uma votação em uma comissão especial.
Após a eventual abertura pelo Senado, o presidente é afastado do cargo.