A professora Julieta Lui, de 69 anos, recebeu o título de cidadã honorária de São Carlos nesta terça-feira (23). O autor do projeto é o vereador Djalma Nery (PSOL). Em entrevista ao ACidade ON, a ex-vereadora relembrou alguns fatos de sua trajetória na política da cidade: machismo e assédio na Câmara Municipal, expulsão do PT, participação na criação do PSOL, entre outros (veja abaixo).
“Meu sentimento é de ser lembrada. Mas não só em termos de pessoa, da minha pessoa, mas das lutas que nós enfrentamos na sociedade, para fazer com que essa sociedade melhore, para que tenha mais justiça social, para que exista uma lembrança de que o trabalhador é muito imprescindível em nossa sociedade. Muitas vezes ele é esquecido, desvalorizado. Infelizmente, a sociedade só pensa no lucro e não pensa no ser humano, que é a coisa mais importante “, afirmou a homenageada.
Primeiro vereador eleito pelo PSOL na cidade, Djalma Nery exaltou o trabalho prestado por Julieta na cidade. “Estou muito honrado, enquanto mandato, em poder ter proporcionado esse título mais do que merecido para a Julieta. É uma professora há 40 anos, sindicalista, que está na luta há muito tempo e prestou serviços relevantes para a cidade, o que justifica o título de cidadã honorária”.
Trajetória
Natural de Limeira (SP), Julieta vive em São Carlos desde os três anos.
Graduada em educação artística pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e em pedagogia pela Faculdade São Luís, começou a lecionar em Ibaté, em 1977, na Escola Estadual Armando de Andrade.
Em São Carlos, deu aulas nas escolas Sebastião de Oliveira Rocha, Arlindo Bittencourt, Eugênio Franco, Juliano Neto e Jesuíno de Arruda.
Ligada ao movimento sindical e a luta pelos direitos dos trabalhadores, Julieta Lui iniciou sua trajetória na Câmara Municipal de São Carlos no final da década de 80, quando foi eleita vereadora pela primeira vez pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
A professora ocupou uma cadeira no Legislativo por quatro mandatos consecutivos (1989 a 2004), sendo apenas a terceira mulher eleita vereadora na história da cidade.
Preconceito, vereadores machistas e assédio dentro da Câmara Municipal
Na Casa de Leis, enfrentou resistência e preconceito dos homens pelo fato de ser mulher. Julieta lembra com tristeza uma ‘brincadeira’ feita pelos colegas. “Houve cenas lamentáveis, saiu até publicação no exterior, jornal nacional, Boris Casoy. Todo mundo comentando sobre a situação que os vereadores me fizeram passar aqui em São Carlos, fazendo com que eu conhecesse uma ‘brincadeira’ que eles tinham feito em um restaurante aqui em São Carlos. Sobre quem teria relações primeiro comigo na Câmara Municipal”.
A ex-vereadora contou que esses homens, os quais ela classificou como machistas e preconceituosos, se reuniram em um restaurante e fizeram uma enquete para saber quem entre eles conseguiria ter relações sexuais com ela primeiro. “Eles fizeram uma votação na mesa daquele restaurante, num guardanapo, e mandaram como se fosse uma correspondência oficial da Câmara Municipal para mim. Quando eu abri, me deparei com aquilo: eles marcando com x quem iria ter relações sexuais comigo primeiro”.
Julieta contou que ficou indignada com a falta de respeito dos parlamentares e entrou com um processo contra os envolvidos. No entanto, não encontrou respaldo na Justiça. “Foi uma coisa lamentável, que nós tivemos que recorrer até a Justiça. Demos parte, fomos à Justiça, mas nada resolveu. A sociedade naquele momento era extremamente machista. Nós, mulheres, estávamos muito aquém dos nossos direitos”, lamentou.
A professora também recorda quando foi assediada por outro colega no plenário da Câmara Municipal. O ato ocorreu durante a discussão da pauta do dia, momento em que os vereadores se aproximam da mesa onde fica o presidente da câmara. “Estavam todos vereadores na frente do presidente para, juntos, discutir como seria o andamento. E ele ficou esbarrando em mim o tempo inteiro. Foi uma coisa muito lamentável. Infelizmente, eu não aguentei, perdi a cabeça mesmo, e tive que agredi-lo com um tapa no rosto”.
Expulsão do PT e participação na fundação do PSOL
Após Newton Lima (PT) ser eleito prefeito de São Carlos, Julieta Lui disse que passou a discordar de algumas ações do partido do qual fazia parte. A situação, segundo ela, tornou-se insustentável quando precisou escolher entre o partido e os trabalhadores. “Tudo o que nós tínhamos combinado com a população, com os funcionários públicos, e que os trabalhadores esperam da administração petista, não estava se mostrando de fato. Principalmente para os trabalhadores municipais. Diante disso, na greve que eles fizeram por salário, condições de trabalho, também pela não perseguição que estava acontecendo e casos de assédio moral por parte da administração contra os funcionários, eu fiquei do lado dos trabalhadores”, afirmou.
Durante o processo de expulsão do Partido dos Trabalhadores (PT), Julieta contratou João Batista Oliveira de Araújo, mais conhecido como Babá, para ser o advogado dela.
Nesta época, começo dos anos 2000, Babá era deputado federal pelo Pará e também havia sido expulso do PT por discordar de algumas ações do governo Lula. “Eles foram expulsos também, a Heloísa Helena, a Luciana Genro, o João Fontes, porque não votaram a primeira reforma da previdência que o Lula fez. Eles ficaram do lado dos trabalhadores”, disse Lui.
Em virtude dessas divergências em comum com o PT, o advogado convidou a professora de São Carlos para participar da criação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). “E eu fui, fui nas reuniões, fui para Brasília, assinei vários documentos para poder conseguir fazer o nosso querido PSOL – Partido Socialismo e Liberdade”.
Eleições 2022, união da esquerda contra Bolsonaro e protagonismo do PSOL
Acompanhando a trajetória do partido desde o começo, Julieta diz ter orgulho de participar de um grupo político engajado na luta pelas classes mais oprimidas da sociedade brasileira. “O PSOL está do lado da classe oprimida, a classe trabalhadora e, principalmente, daqueles que estão sem teto, sem alento. Então é muito importante que a gente continue com essa luta junto com todos os explorados desse país, para que a gente possa buscar justiça social”.
Em relação as eleições presidenciais de 2022, a ex-vereadora disse que será difícil ter uma união dos partidos da esquerda pela não reeleição de Jair Bolsonaro. “É meio difícil, mas nós temos que buscar a unidade de todos aqueles que lutam, de fato, pela classe trabalhadora”.
Mais importante do que pensar em nomes, Julieta ressalta a importância de criar um programa de governo que favoreça os trabalhadores. “Tem que ser um programa que, entrando no poder, não aconteça como o Lula fez no primeiro ano de administração dele, fazendo a reforma da previdência e tirando direitos dos trabalhadores. Nós temos que ter um compromisso daqueles que vão governar com um programa. E esse programa tem que ser realmente do lado daqueles que estão sendo cada vez mais explorados, que são os trabalhadores desse país”, concluiu Julieta Lui.