A Câmara de São Carlos (SP) rejeitou, por 16 votos a 2, o projeto de resolução que propunha substituir a leitura da Bíblia pela da Constituição Federal, além de proibir a fixação de símbolos e imagens religiosas no plenário da Câmara.
Autor da proposta, o vereador Djalma Nery (PSOL) pediu a retirada do projeto da pauta da sessão desta terça-feira (9), porque gostaria de realizar uma consulta pública antes para ouvir a população sobre o tema.
Além disso, também explicou que estava disposto, inclusive, a alterar a proposta inicial. No entanto, a maioria dos vereadores rejeitou o pedido de retirada do projeto da pauta e ele foi colocado em discussão.
Leia mais:
– Vereador propõe retirada de crucifixo da Câmara de São Carlos
– Vereador ‘recua’ de proposta de retirada de crucifixo da Câmara de São Carlos
DEBATES
Com o plenário cheio pela primeira vez desde o começo da pandemia, mas respeitando o distanciamento social e o número máximo de pessoas permitidas na sala de sessões, os presentes se dividiram entre apoiadores e contrários ao projeto.
Na discussão da proposta, Djalma Nery ressaltou que a sua ideia era garantir a laicidade do Estado, prevista no artigo 19 da Constituição Federal, o que compreende o processo de separação institucional com relação às religiões. “A laicidade do Estado é a única maneira de garantir a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, e a não hegemonia de um pensamento sobre os demais”, afirmou.
Além disso, criticou o desrespeito com o processo legislativo, já que ele, como autor, pediu a retirada do projeto, mas ela foi negada pelos pares.
O parlamentar do PSOL também salientou que, apesar da rejeição, é saudável provocar o debate da população sobre esse tema. “A sociedade é plural, ela não é cristã. E ainda que uma minoria esteja presente, ela tem que ser respeitada. Essa é a casa da pluralidade e da democracia, e por isso que a gente apresentou esse projeto para fazer esse debate”, afirmou.
Após falar sobre o projeto, Djalma Nery rebateu alguns argumentos de que o cristianismo é uma religião civilizatória. “O mesmo cristianismo que chegou aqui através dos irmãos portugueses há 500 anos, que estupraram índios, negros e negras trazidos escravizados de seu país, para acumular riqueza e capital para gente que até hoje é rica”.
“O orgulho bandeirante que a cidade traz até hoje no brasão é uma coisa ridícula. E eu falo aqui como sociólogo, como estudante de história. Os bandeirantes foram estupradores de índios, caçadores de escravos. Não foram pessoas boas que devem ter seu passado heroico glorificado”, complementou.
O vereador Gustavo Pozzi (PL) defendeu a igreja católica e o cristianismo e se manifestou pela rejeição da proposta. “Existe uma narrativa que a gente tem que tomar cuidado. Quando coloca numa questão religiosa que são representantes de estupradores (…) é como se a igreja católica fosse isso”, disse.
“Eu não estou aqui negando a história da colonização do Brasil, mas isso não significa que o cristianismo de hoje, do século XXI, comunga com o que aconteceu no passado”, complementou Pozzi.
Por fim, o parlamentar do PL expressou qual é o seu entendimento em relação à proposta de retirada de leitura da bíblia ou a sua substituição: “A intenção qual é? Vamos avançar devagarzinho, não consegui tirar a bíblia como um todo, então vamos fazer o seguinte: o vereador lê o que quiser. Também é uma diminuição da cultura cristã, que é a maioria em nossa cidade”.
Ao final da fala de Gustavo Pozzi, algumas pessoas que acompanhavam a sessão no plenário, e também eram contra a proposta, se exaltaram e houve uma discussão entre um deles e o vereador Djalma Nery, que usou o microfone para dizer que “liberdade de expressão tem limite, tem artigo tipificando no código penal e, a depender o que foi falado, isso dá cadeia”.
“Então, ou o senhor não fale ou, se falar, tenha coragem de assumir”, concluiu o parlamentar do PSOL.
VOTAÇÃO
Vereadores que votaram para rejeitar o projeto foram: André Rebello (DEM), Ubirajara Teixeira (PSD), Bruno Zancheta (PL), Cidinha do Oncológico (PP), Dé Alvim (SD), Dimitri Sean (PDT), Elton Carvalho (Republicanos), Gustavo Pozzi (PL), Lucão Fernandes (MDB), Malabim (PTB), Marquinho Amaral (PSDB), Paraná Filho (PSL), Professora Neusa (Cidadania), Robertinho Mori (PSL), Rodson Magno (PSDB), Sérgio Rocha (PTB).
Vereadores que votaram para aprovar o projeto: Djalma Nery (PSOL) e Raquel Auxiliadora (PT).