Por Milton Filho
Nas folhas de um caderno, escrita à mão com caneta de tinta azul, o aposentado Deodato José Rizzo, de 81 anos, reconta uma das muitas histórias que vivenciou no Santuário de Santo Antônio, na Vila Xavier, em Araraquara.
No alto da página, está o título “A multiplicação dos pães de Santo Antônio” e nas linhas que o seguem abaixo os detalhes de um momento, que irá completar 46 anos.
Das mãos marcadas pelo tempo, Deodato remonta ao dia 13 de junho de 1978 e um capítulo que mudou para sempre a forma como o tradicional pão de Santo Antônio seria distribuído pela igreja.
Ele escreve que, até 1977, os fiéis pediam contribuição financeira à comunidade para comprar os pães que seriam entregues durante a festa. Uma prática que chegou ao fim no ano seguinte por decisão do padre Luiz Carlos Gonçalves.
“Em seu terceiro ano como pároco da igreja, ele pediu que acabasse visto que achava injusto pedir dinheiro para a comunidade e para o povo em geral, pois achava que, de acordo com filosofia de Santo Antônio, os pães deveriam ser doados e repartidos”, conta.
Então, em maio daquele ano, o religioso começou a divulgar nas missas que os pães deveriam ser doados e repartidos, qualquer que fosse a quantidade. “Ficamos, a equipe toda, chocados com tal decisão, porque naquela época as doações de pães eram ínfimas, bem pouquinhas“, diz.
É neste momento da história que acontece o milagre, que dá nome ao texto escrito por seu Deodato. Naquele 13 de junho, milhares de pães começaram a chegar inesperadamente à igreja, enviados por diversas padarias da cidade – foram mais de 18 mil unidades.
Deodato explica que as doações eram feitas por fiéis que alcançaram graças por intercessão do Santo e encontraram neste gesto uma forma de retribuir casamentos, filhos e curas de enfermidades, mas a maioria agradecia por ter encontrado algum objeto perdido.
NUNCA FALTOU
Mesmo com as enormes filas que se formavam durante todas as celebrações do dia, houve sobras, que foram repartidas entre entidades sociais da cidade, como a Vila Vicentina, Casa da Criança e Beneficência Portuguesa.
De acordo com o aposentado, desde aquele ano, a igreja não comprou mais pães. E, mais do que isso, nunca faltou para os mais vulneráveis.
“O grande milagre ocorreu com a união da comunidade, no propósito da solidariedade e no bom atendimento do povo em geral, mas, principalmente, dos mais necessitados […] Eu controlava um pouco, com medo de faltar até a última missa. Mas o padre Luiz falava: ‘Se acabar, acabou. Mas dá para quem precisa, o pão foi feito para eles.’ E nunca faltou“, completa.
DAR COM ALEGRIA
Em 2024, a Festa de Santo Antônio completa 88 anos. Tornando-se uma tradição para fiéis católicos e para a comunidade como um todo, que prestigia a trezena e a festa em louvor ao santo.
A aposentada Leila Gobato Jorge, 72, conta que a sua família sempre participou da comunidade, desde quando o chão de terra da praça era coberto com palha de arroz para as festas da igreja.
Ela seguiu os ensinamentos da família e também dedica a sua vida à igreja. “Para mim, trabalhar na igreja é uma coisa muito boa, uma herança que meus pais e avós deixaram, que ninguém tira, que é a fé. Poder ajudar, fazer as coisas por aqueles que precisam é o maior presente, a maior herança que a gente pode ganhar e deixar”, diz.
Por muitos anos, Maria Celina Simões Ferraz esteve à frente dos cursos de batizado da igreja. Aos 81 anos, mesmo com certa dificuldade de subir alguns degraus mantém sua fé atuante. “É muito gratificante, vale mais que dinheiro, honraria, vale mais que qualquer coisa”, afirma.
Há 18 anos, Maria José da Silva Michelon, 62, também dedica parte de sua vida à comunidade da Vila Xavier. “A gente serve o nosso senhor e procura trilhar os caminhos de Santo Antônio, de Santo Expedito e de todas as nossas comunidades. É amor e fé, que a gente quer transmitir aos outros também, para que possam sentir não apenas no físico, mas também no espiritual”, conclui.
DADO POR DEUS
Do latim, o nome de Deodato significa “dado por Deus” e, ao longo de seus 81 anos, dedicou a vida às obras da igreja. Nascido em família de tradição Católica, ele conheceu a esposa durante a missa dos jovens da igreja, casou e batizou os filhos.
Criado no Santuário, ele lembra que sempre foi “chamado” a servir a Deus por todos os lugares por onde passou, fosse Uberlândia, em Minas Gerais, Sorocaba e Piracicaba, em São Paulo, onde morou a trabalho.
“Trabalhar na igreja sempre me deu muito mais alegria do que qualquer outra coisa. Sempre respondi a Deus e, quando estou aqui na Santo Antônio, me realizo. A gente sabe das dificuldades, os reflexos não são mais os mesmos, mas você não pode dizer não“, diz.
Com uma vida de fé, devoção e serviços prestados, ele foi nomeado ministro da eucaristia emérito pelo padre Luís Celso de Souza Biffi. Mas há três anos está afastado das atividades da igreja por dificuldades de locomoção decorrentes da idade.