No final do ano passado, no dia 28 de dezembro, para ser mais preciso, o governo brasileiro publicou no Diário Oficial a sanção do Projeto de Lei 14.510/2022, que regulamenta a prática da telemedicina no Brasil. A forma mais viável para garantir a acessibilidade da população brasileira a um atendimento médico ideal previsto no SUS (Sistema Único de Saúde) ainda convive com o desafio da universalização do acesso à internet.
O sistema de telemedicina aplica tecnologias da informação e da comunicação na área de saúde, permitindo a assistência médica a distância, com a interação eficiente de médicos e pacientes, mesmo estando em locais distintos. A prestação remota de serviços é utilizada em toda a atuação médica realizada à distância, normalmente suportada com o auxílio da internet.
A telemedicina permite que atestados, prescrições e até laudos dos exames sejam feitos de forma online e enviados diretamente para a farmácia escolhida pelo paciente. Essa metodologia minimiza os erros e torna o processo de obtenção de medicamentos mais eficiente.
O debate sobre seu uso ganhou força com a pandemia de Covid-19. Segundo pesquisa do Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), 42% dos brasileiros das classes A e B realizaram teleconsultas entre 2020 e 2021. No entanto, esse percentual cai pela metade quando falamos da classe C (22%) e das classes D e E (20%).
A telemedicina tem o potencial de mudar radicalmente a prestação de cuidados de saúde, fornecendo cuidados médicos de qualidade independentemente da localização do paciente, eliminando as barreiras geográficas. Desta forma, o atendimento médico passa a ser acessível a pessoas que têm dificuldades em acessar serviços de saúde, seja pela distância ou pela dificuldade de mobilidade.
Sendo assim, pode-se dizer que a telemedicina amplia o acesso aos serviços, especialmente em regiões mais remotas do país, e ainda permite consultas com diversos especialistas, onde quer que eles estejam. Os médicos também se beneficiam com o fim dos deslocamentos ao atender um maior número de pacientes em menos tempo, e ganham ao realizar diversos procedimentos de rotina de forma remota, otimizando o tempo e a utilização de recursos.
Com a redução dos deslocamentos, surgem outros benefícios: eliminam-se custos desnecessários aos pacientes, diminui-se a demanda por espaço físico nos consultórios e hospitais, e reduz-se o tempo de espera por consultas. Consequentemente, o atendimento será mais ágil, algo essencial na saúde.
De acordo com pesquisa feita pelo Datafolha a serviço da Conexa Saúde, 41% dos brasileiros aprovam a telemedicina. Mas fica evidente que, até para quem tem maior poder aquisitivo, a ferramenta digital ainda não é muito utilizada.
Uma boa parcela da população já entendeu esses ganhos – mais de 7,5 milhões de teleconsultas foram feitas entre 2020 e 2021, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital. Contudo, o aumento de popularidade causado devido à pandemia ainda não explorou todas as funcionalidades que o sistema pode oferecer.
Por exemplo, além das consultas, a telemedicina também engloba o agendamento de consultas online, de forma mais conveniente e flexível aos pacientes, sem a necessidade de ligações telefônicas ou visitas presenciais. Eles ainda podem realizar consultas, mudanças ou até cancelamentos acessando a plataforma em qualquer momento, até mesmo fora do horário comercial.
Outra funcionalidade importante está na possibilidade de acompanhar de maneira efetiva o paciente à distância. Dispositivos conectados, como monitores de glicose ou pressão arterial, ajudam a verificar os indicadores de saúde, fornecendo aos médicos um panorama contínuo do estado do paciente. Além da praticidade, o acompanhamento fornece dados para favorecer intervenções precoces, se necessário, e oferecer o tratamento mais eficaz ao momento.
O acompanhamento do paciente através da telemedicina pode, portanto, levar a uma melhor gestão das condições de saúde e a melhores resultados a longo prazo.
Essa flexibilidade também pode ajudar a reduzir as taxas de não comparecimento, pois permite que os pacientes escolham horários que realmente funcionam para eles.
Realizar uma completa transformação digital nos serviços de saúde é uma necessidade urgente, mas precisa ser feita sem improvisos. Ela ainda enfrenta um grande desafio no setor, que precisa alinhar estratégias e mostrar aos pacientes que eles estão em um ambiente seguro, com todos os seus dados protegidos.
Acesso à internet
O último Censo realizado pelo IBGE aponta que 90% dos lares brasileiros já possuem acesso à internet. Já os dados de 2022 da CEIC mostram que 97% dos estabelecimentos públicos de saúde já contavam com computador, um aumento de 3% na comparação com 2021. Apenas 1,3 mil UBS, das 43 mil existentes em solo nacional, não possuem computadores conectados à internet.
O estudo ainda apontou um aumento da utilização do serviço de teleconsultoria na comparação com o de 2019: de 26% para 34% entre enfermeiros e de 26% para 45% entre médicos. Esse aumento também se reflete na teleconsulta, que foi utilizada por 33% dos médicos e 26% dos enfermeiros brasileiros no último ano.
Contudo, ainda é preciso fornecer um acesso consistente à internet de alta velocidade para que todo esse universo esteja disponível para fazer consultas de forma remota. Mais do que isso, é preciso se atentar para a exclusão virtual e olhar com atenção especial os idosos e a população de baixa renda, o que é ainda mais desafiador quando pensamos na saúde pública e no SUS. Plataformas que facilitem a interação entre médicos e pacientes, com o agendamento e realização de consultas, além da prescrição digital de medicamentos e monitoramento remoto, são importantes catalisadores nesse processo.
Essas plataformas, inclusive, ajudam a criar um ambiente propício e seguro aos pacientes e aos médicos. Protocolos, como a certificação digital da teleconsulta no padrão ICP-Brasil, dão as garantias jurídicas e mostram que as informações fornecidas pelo paciente serão privadas. Cabe ainda, ao governo, adotar uma política de segurança de dados clara e explícita, de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
Entretanto, não são apenas os pacientes que precisam se adaptar. Os profissionais da saúde precisam passar por treinamentos para estabelecer as mesmas conexões de forma virtual e ainda manter a assertividade ao realizar seus diagnósticos de forma remota, diferentemente do que já estavam acostumados.
Não há dúvidas de que a telemedicina é uma continuidade da inevitável convergência entre tecnologia e saúde, e já apresenta um importante avanço no país. Garantir o funcionamento eficiente é o principal obstáculo que vivemos, mas não se pode cair na armadilha de buscar improvisos em um segmento de grande risco. A regulamentação governamental trouxe perspectivas promissoras, mas ainda convivemos com barreiras socioeconômicas.
A convergência de tecnologia e saúde é inevitável; para isso, governos, empresas, entidades do terceiro setor, profissionais e mesmo pacientes precisam unir-se em torno de um planejamento sólido, para garantir uma transformação benéfica e equitativa no setor de saúde.
Content Contributor: André Cripa | Itshow