5 de dezembro de 2024
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Brasil deve R$ 10,1 bi a organismos mundiais, mas só reserva R$ 2,2 bi

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Brasil precisa pagar R$ 10,1 bilhões a mais de cem organismos internacionais, considerando dívidas acumuladas e compromissos agendados para 2021. Apesar disso, o Orçamento proposto pelo governo só reservou R$ 2,2 bilhões para as entidades neste ano (ou 21% do necessário). A restrição orçamentária deve agravar o cenário de inadimplência […]

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Brasil precisa pagar R$ 10,1 bilhões a mais de cem organismos internacionais, considerando dívidas acumuladas e compromissos agendados para 2021. Apesar disso, o Orçamento proposto pelo governo só reservou R$ 2,2 bilhões para as entidades neste ano (ou 21% do necessário).
A restrição orçamentária deve agravar o cenário de inadimplência com as entidades internacionais, que cresceu de forma significativa no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O quadro vem gerando alertas do Itamaraty, que vê riscos de prejuízos políticos e até sanções como a perda do direito a voto em discussões.
O total a ser pago é resultado de R$ 6 bilhões em dívidas acumuladas até o fim de 2020 e outros R$ 4,1 bilhões em parcelas previstas para 2021.
Houve crescimento de 483% nas dívidas a organismos internacionais em 2019 e de 169% em 2020. Antes de Bolsonaro, entre 2015 e 2018, o avanço anual médio era de 24%.”‹
Os valores obtidos pela reportagem mostram que cresceu também o número de entidades com recursos a receber. Em 2018, eram 10. Em 2019, passou para 92. Em 2020, 107.
Estão na lista das pendências a ONU (Organização das Nações Unidas) e diferentes braços da entidade como OIT (Organização Internacional do Trabalho), OMS (Organização Mundial da Saúde), Unesco (voltada a educação, ciência e cultura) e FAO (alimentação e agricultura).
Há também blocos e organismos regionais (como o Mercosul e a Organização dos Estados Americanos), de segurança (como a Agência Internacional de Energia Atômica) e de aproximação entre nações (como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Também integram a lista instituições financeiras e seus braços, como BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e CAF (Corporação Andina de Fomento).
No momento, a maior dívida do país é com o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), para quem o governo deixou de pagar R$ 1,59 bilhão em 2020.
A falta de pagamento ao NDB foi a primeira desde sua criação em 2014, quando o país combinou com os demais integrantes do Brics aportes anuais no banco. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul têm 20% de participação na instituição, cada um.
O governo ainda deixou de pedir ao Congresso recursos suficientes para quitar a dívida com instituições como o NDB em sua proposta de Orçamento de 2021. E só reservou R$ 700 milhões, montante insuficiente para o aporte de R$ 1,8 bilhão previsto para este ano (sem considerar a dívida de R$ 1,59 bilhão de 2020).
A falta de pagamentos tem gerado cobranças e até ameaças das entidades, inclusive da própria ONU.
Chandramouli Ramanathan, secretário-geral-assistente das Nações Unidas, afirmou ao Brasil em 2019 que poderia ser retirado o poder de voto do país no organismo.
A sanção está prevista no artigo 19 da Carta das Nações Unidas e nunca foi aplicada ao Brasil na história. O país pagou no fim daquele ano uma quantia mínima (de pouco mais de R$ 500 milhões) e garantiu o direito a voto.
O Ministério de Relações Exteriores afirma que o Ministério da Economia é responsável pelos pagamentos. Porém, ressalta que as duas pastas trabalham em conjunto “para evitar comprometer a atuação internacional do Brasil”.
O Itamaraty diz que as restrições fiscais do Orçamento têm afetado os pagamentos a organismos internacionais e que chama atenção do governo para os riscos.
“O Ministério das Relações Exteriores sinaliza regularmente os potenciais prejuízos políticos decorrentes da situação das contribuições brasileiras aos organismos internacionais, inclusive eventuais sanções, como a perda do direito de voto”, afirma o Itamaraty.
O Ministério da Economia diz que a participação em discussões bilaterais é algo de importância estratégica para o país e que pediu créditos adicionais para os pagamentos ao Congresso em 2020, mas que apenas parte dos recursos foi aprovada. Ainda assim, diz que nos últimos dois anos quitou R$ 3,99 bilhões em dívidas, mesmo com a prioridade à Covid-19.
“Mesmo diante do cenário de restrições orçamentárias e financeiras, o Ministério tem como uma de suas prioridades a quitação dos compromissos brasileiros com organismos internacionais, e envidará esforços para que os recursos sejam devidamente previstos na Lei Orçamentária Anual de 2021”, afirma a pasta.
O ministério discute internamente a possibilidade de um remanejamento orçamentário de quase R$ 8 bilhões para os pagamentos neste ano, segundo relatos colhidos pela reportagem. O objetivo é ao menos reduzir o passivo total.
Para isso, é discutida uma mudança no projeto de Orçamento de 2021.
O ministério estuda retirar uma trava do texto que limita remanejamentos a até 20% de outras ações para organismos internacionais. Isso permitiria maior poder de remanejamento ao Poder Executivo e ainda aumentaria as chances de serem recebidos recursos de outros órgãos, interessados nos pagamentos por entenderem que a medida beneficiaria as políticas das pastas.
Carlo Cauti, professor de Relações Internacionais do Ibmec, diz que a falta de pagamento é um problema orçamentário que se agravou com o desequilíbrio fiscal a partir de 2015.
“O próprio Itamaraty tem menos recursos do que no passado por causa da crise que o país está vivendo”, afirma.
Para o professor, as instituições internacionais tendem a evitar as sanções aos países ao máximo por dependerem dos recursos. Por isso, ele diz que o governo pode contar com isso para postergar suas obrigações.
Um exemplo disso é o próprio NDB, em que o governo brasileiro perdeu apenas parte de seu direito de voto após a inadimplência.
Mesmo assim, Cauti lembra que diferentes países já sofreram sanções pela falta de pagamentos e que a situação pode levar a uma perda de prestígio com efeitos reais. Entre eles, a perda de direito a assentos não-permanentes em órgãos globais estratégicos, como o Conselho de Segurança da ONU.

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