SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Robson José do Prado, 35, iria encerrar a noite de trabalho. Na última hora, porém, resolveu aceitar mais dois pedidos em aplicativos de entrega de comida diferentes.
Os endereços eram próximos de sua casa, no Itaim Paulista (extremo leste de São Paulo). Coisa rápida. Ele levava hambúrgueres e uma pizza na mochila quando uma motorista, segundo ele, fez uma conversão proibida.
“Ela acabou arrancando minha perna na hora. Não prestou nenhum socorro, nem ligou para saber se eu tinha morrido. Eu acordei depois de sete dias”, conta ele, sobre o acidente ocorrido há quase um ano.
Robson tem vários colegas em situação parecida, e outros mortos a engrossar os dados de tragédias envolvendo motociclistas na cidade de São Paulo.
As políticas de redução de velocidades implantadas na última década, aliadas a evolução tecnológica e medidas como a Lei Seca, fizeram despencar o número de mortos no trânsito na capital paulista.
Caiu também o número de motociclistas vitimados, mas em proporção menor do que quem anda de carro e a pé. Eles são as principais vítimas de uma guerra que deixa um rastro de mortes e jovens com sequelas permanentes.
De 2010, logo antes de a prefeitura da capital paulista começar a baixar os limites de velocidade, até 2019, o número de motoristas ou passageiros de carros que foram mortos ou feridos no trânsito caiu 62%.
Quando se olha apenas motociclistas, essa queda foi de 40%.
Em 2020, quatro em cada dez mortos no trânsito de São Paulo foram motociclistas, grupo que representa apenas 12% do total da frota de veículos da cidade, segundo dados de dezembro do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito).
Para se ter uma ideia, os automóveis, que são 68% da frota, foram apenas 16% das vítimas no ano passado, segundo dados do governo de São Paulo.
O desafio das motos aumenta com a explosão do uso de aplicativos de entrega, afirma Rafael Calabria, do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte e também coordenador de Mobilidade do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).
“As motos são um meio de transporte ágil, assim como a bicicleta, mas com a diferença de que podem atingir altas velocidades, o que é um agravante. Quando você inclui nessa conta a pressão por rapidez dos aplicativos, a situação fica muito pior”, afirma.
Calabria diz que a questão é de difícil fiscalização por parte da prefeitura. Além disso, o debate foca aplicativos de transporte de passageiros, como o Uber, e não os serviços de entrega. “A fiscalização é quase nula. A prefeitura não estava preparada pra esse boom dos últimos anos dos apps de entrega. Não sabem muito como atacar esse problema, que funciona no vácuo legislativo”, diz.
Consultor de segurança do Sindimoto-SP (sindicato que representa motoboys e entregadores), Rodrigo Souza afirma que o modelo de contratação de motociclistas por aplicativos ou autônomos sem preparo para fazer entregas impulsiona os acidentes.
“A atividade é perigosa, precisa de preparação. Tenho uma moto, um celular, coloco mochila nas costas e vou trabalhar, isso é um modelo na contramão da segurança”, diz.
O sindicato não tem números exatos de quantos novos motoboys a cidade ganhou nos últimos anos credita isso à informalidade do setor, mas diz que houve aumento com a chegada dos aplicativos e explosão no último ano, durante a pandemia do novo coronavírus.
A entidade estima que antes da pandemia havia entre 180 mil e 200 mil motoboys em São Paulo, mas esse número pode ter crescido até 25%, com pessoas desempregadas que passaram a fazer entregas.
Na opinião de Souza, é preciso ter uma política de capacitação para esta leva de profissionais, ensinando técnicas como reconhecimento de pontos cegos dos veículos em que os motoristas não enxergam as motos para se livrar de acidentes.
Por lei, motociclistas profissionais são obrigados a fazer um curso de 30 horas, que é gratuito e ensina, por exemplo, gestão de risco sobre duas horas. Mas a falta de fiscalização faz com que a lei raramente seja seguida, principalmente por quem trabalha para aplicativos de entrega.
Segundo Souza, não há previsão na lei nem mesmo para a mochila usada pelos entregadores, que, em tese, deveriam usar baús, caixas acopladas na traseira das motos. Uma das críticas que se faz às mochilas de entrega é que elas podem dificultar que a pessoa role o corpo durante uma queda, agravando ferimentos.
Além disso, o próprio formato do trabalho de entregas, que premia a velocidade de atendimento, é apontado como um fator de risco adicional.
Durante o período de isolamento, o total de acidentes de trânsito caiu no estado de São Paulo. Mas, em uma época que as entregas foram cruciais com o fechamento de restaurantes, o impacto em relação às motos ficou praticamente estável. Isso é atribuído por especialistas ao boom desse setor.
Enquanto o total de vítimas de acidentes de carro caiu 10% (1.386 para 1.242) e de casos envolvendo pedestres 21% (1.395 para 1.108), vítimas de ocorrências com motos tiveram uma leve oscilação negativa de 1,1% (1.921 para 1.899). As bicicletas, também usadas nas entregas, registraram aumento de 2,5% (de 403 para 413).
As motos são o veículo que mais deixam mortes e sequelas no trânsito brasileiro, segundo dados do seguro obrigatório DPVAT. Relatório da Seguradora Líder, responsável pela indenização, mostra que em 2020 foram pagas 175 mil indenizações por invalidez permanente relativas a casos envolvendo motociclistas, além de 17.412 relativas a mortes.
O número de indenizações envolvendo motos é cinco vezes maior que o relativo a acidentes com carros.
Entre quem anda de moto, casos de mutilações e acidentes graves fazem parte da rotina. Antes de perder a perna no trabalho, Robson já havia sofrido diversos outros acidentes.
“Em 20 anos na rua não tem como não ter acidente”, comenta ele, que está afastado do trabalho.
VIVO NO TRÂNSITO
Robson recebeu indenização dos aplicativos e não os critica. Mas admite que muitas pessoas inexperientes passaram a atuar neste ramo depois da chegada dessas empresas. Para ele, este é um fator em um combo que coloca a vida dos motociclistas em risco no dia a dia.
“Falta de atenção do motorista e do motoqueiro. Tem motorista que fica no celular. Tem ruas por aqui onde eu moro que tem um monte de travessa, não tem semáforo, lombada, nada”.
Especialistas afirmam que a diminuição de acidentes passa por fiscalização eficiente, manutenção de ruas, iluminação, redesenho de vias mais seguras, mudança do modelo de negócios do motofrete, além de uma formação que envolva tanto motociclistas quanto motoristas.
Diante dos acidentes constantes com motociclistas, a Prefeitura de São Paulo chegou a utilizar motofaixas na tentativa de aumentar a segurança no trânsito para esta categoria na gestão de Gilberto Kassab (PSD).
No entanto, posteriormente, a prefeitura constatou aumento de acidentes nos locais onde essas faixas foram instaladas. As motofaixas foram aposentadas durante a gestão de Fernando Haddad (PT).
A fiscalização, que consegue induzir a maioria dos motoristas a desacelerar, não tem o mesmo efeito nos motociclistas. Mais difíceis de serem flagradas, elas geralmente não são pegas pelos radares comuns. Já os chamados radares-pistola, que captam este tipo de veículo, são operados manualmente e raramente vistos na cidade.
O resultado é que, das 1.278.393 multas de trânsito aplicadas em 2020, as motos representaram 8% do total (103.086 autuações). Já os carros foram 62%.
A gestão Bruno Covas (PSDB), em nota, afirma que tem implementado uma série de medidas para tentar reduzir acidentes na cidade. Como resultado, citou redução dos acidentes fatais em 18,9% em 2019.
Ela cita programas de capacitação, educação e conscientização no trânsito, como o Motociclista Seguro. Segundo a administração municipal, de 2017 a 2020, 2.690 motociclistas fizeram curso de pilotagem segura da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), e 3.983 motofretistas fizeram curso de formação.
A prefeitura também destaca ações como a restrição de circulação de motos na pista expressa da marginal Pinheiros, uma via bastante perigosa aos motociclistas.
Em relação aos aplicativos, a gestão afirma ter feito termo de cooperação com empresas para extinguir bonificações que incentivam deslocamentos em alta velocidade e desrespeito a leis de trânsito.
“A Prefeitura segue em diálogo com as empresas com o intuito de elaborar uma regulamentação para o setor que traga mais segurança para os motociclistas e, consequentemente, para os demais usuários do sistema viário.”
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Com explosão de apps e fiscalização falha, acidentes caem menos entre motociclistas em SP
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- Por Mídias Digitais
- 24 de fevereiro de 2021
- 4 anos ago
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