SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nas últimas semanas, Paris e Nova York anunciaram medidas para reduzir o espaço dos carros e, assim, liberar área para outras atividades. São novos capítulos do processo de transição urbana que deverá marcar a década que acabou de começar.
Em Paris, a prefeita socialista Anne Hidalgo aprovou um plano, em janeiro, para reformar a região da avenida Champs-Élysées, a mais famosa da cidade. A via terá mudanças como a ampliação de calçadas e ciclovias e a redução das pistas para os carros, que serão duas de cada lado, em vez das quatro atuais. E haverá menos barreiras entre o asfalto e a calçada, de modo que os veículos terão de seguir em velocidade menor.
A reforma, uma promessa da campanha de reeleição de Hidalgo, em 2020, deve custar entre 200 e 225 milhões de euros (R$ 1,2 a 1,6 bilhão), e começará na parte leste, na Place de la Concorde, para atrair os turistas que vêm da região do Museu do Louvre. Depois, seguirá rumo ao Arco do Triunfo. A obra deve ser concluída só em 2030, depois dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024.
No fim de janeiro, o prefeito de Nova York, o democrata Bill de Blasio, anunciou novas ciclovias em duas pontes importantes, a do Brooklin e a de Queensboro. Nelas, as pistas para bikes tomarão uma faixa dos carros e deixarão de dividir espaço na área para pedestres.
Durante a pandemia, a cidade americana autorizou restaurantes a colocarem mesas na rua, onde havia vagas para carros, e De Blasio disse que pretende manter a ideia mesmo após a crise.
Os anúncios são mais sinais das mudanças que vão ganhando força nas maiores cidades do mundo: abrir mais espaço a pedestres e ciclistas, reduzir as áreas para os carros e reforçar o combate à poluição, tanto sonora quanto do ar.
“Passamos o século 20 redesenhando as cidades para o carro. Imaginava-se que ele transportaria todo mundo, mas descobriu-se que não. Em São Paulo, por exemplo, os automóveis movem 31% das pessoas, mas usam 85% do espaço viário”, compara Sérgio Avelleda, diretor de mobilidade urbana do instituto WRI. “As cidades começaram a ver a ineficiência e os problemas gerados por isso.”
Nas últimas décadas, os espaços públicos passaram a ser mais valorizados, aponta Valter Caldana, professor de urbanismo no Mackenzie. “Encerramos o século 20 sob a hegemonia do ‘não-lugar’, como chamamos os espaços que são iguais no mundo inteiro, como os aeroportos, hoteis, shoppings etc. Na década de 2010, tivemos a paulatina substituição do ‘não-lugar’ pelo ‘hiper-lugar’, que é conectado, altamente utilizado, flexível e que respeita a identidade local”, avalia.
As obras para conter os carros começaram já nos anos 1970, quando várias cidades -incluindo São Paulo- criaram calçadões em áreas centrais. Mas essa mudança foi apenas parcial. “A conectividade e a troca de informações eram o insumo que faltava para concretizar os planos dos anos 1970. Com o 5G [internet móvel ultrarrápida], as transformações serão ainda maiores”, projeta Caldana.
Um exemplo de como o acesso à informação em tempo real muda o uso das cidades foi a chegada dos apps de transporte, como Uber e 99, na década passada. Antes, havia maior dificuldade para motoristas e passageiros em busca de uma viagem se encontrarem. Os condutores ficavam em pontos fixos, esperando chamadas por telefone, ou rodavam a esmo, em busca de acenos de mão. Com os aplicativos, os dois lados se encontram com facilidade, e ambos fazem mais viagens.
Com mais gente usando serviços de táxi ou aluguel de veículos em vez de ter um carro próprio, diminui a necessidade de vagas de estacionamento, o que libera espaço tanto nas ruas quanto para a construção de mais moradias, por exemplo.
Para os cidadãos, surge também a possibilidade de usar mais de um tipo de transporte e combinar diferentes modos, como bicicleta e metrô, com o mesmo meio de pagamento. Tecnologias para isso já existem, mas ainda estão em fase experimental.
O grande volume de dados também ajuda governos e prestadores de serviço a entenderem melhor como as cidades são usadas, a estudar como as intervenções podem ser feitas e a acompanhar os resultados das mudanças. Isso vai desde ampliar uma calçada onde há grande fluxo de pedestres até criar linhas de ônibus flexíveis, que se adaptam à demanda de passageiros a cada viagem.
Com o 5G, os próprios veículos serão capazes de trocar informações entre si, e elementos urbanos como semáforos e iluminação pública poderão captar informações. Sistemas de inteligência artificial estão sendo preparados para analisar esses dados e propor mudanças imediatas, como readaptar o tempo de um semáforo para desafogar uma fila de ônibus presos no trânsito.
Na China, que vem liderando o desenvolvimento do 5G, há diversos experimentos, como parte de uma estratégia que combina automação com eletrificação, com os objetivos de organizar melhor as cidades e combater a poluição do ar, que era uma marca do país.
“Pequim foi a cidade mais poluída do mundo, mas com uma politica pública estruturada, eles conseguiram reduzir significativamente o problema em pouco tempo”, analisa Avelleda.
Além de mudanças nas indústrias poluentes, o governo chinês estimula a adoção de motos e ônibus elétricos nas ruas e realiza uma expansão forte do metrô. Pequim começou a construir seu metrô nos anos 1960 e tem atualmente 727 km de linhas. Em 2013, eram 456 km.
Como comparação, São Paulo, que iniciou sua rede no mesmo período, tem 101,4 km de metrô e monotrilho. Em 2010, eram 69 km.
Pequim segue inaugurando novas linhas e pretende tocar 16 projetos de expansão de transportes sobre trilhos em 2021, segundo a agência estatal Xinhua.
“Nenhuma nova tecnologia consegue levar 100 mil pessoas por hora por sentido. Isso tem que ser feito por trem, metrô ou ônibus”, ressalta Avelleda.
Os transportes públicos, no entanto, sofrem com a pandemia: o público diminuiu, mas os gastos de operação seguem similares, e despontam crises como a do Rio de Janeiro, onde funcionários do BRT fizeram greve por conta de salários atrasados no começo desta semana. Com os cofres vazios e as dúvidas sobre quando a pandemia vai acabar, a chance dos planos de expansão atrasarem é ainda maior.
Por outro lado, a crise atual poderá também trazer mudanças significativas para as cidades. Se o home office continuar sendo uma prática comum, haverá menos deslocamentos diários e maior uso das estruturas dos bairros, como praças, comércio e opções de lazer perto de casa, que podem ser acessadas a pé ou de bicicleta.
Com isso, pode ganhar força o modelo de “Cidade de 15 minutos”, no qual quase todas as atividades necessárias ficam a esse tempo de deslocamento de casa, a pé ou de bicicleta. O modelo está sendo implantado em Paris e em Barcelona, com formatos ligeiramente diferentes.
O esforço dessas cidades também busca atingir as metas de redução de poluentes estipuladas pela União Europeia. Londres e Madri, por exemplo, planejam intensificar as restrições à circulação de veículos poluentes nos próximos anos. Parte deles já não pode circular em áreas centrais dessas duas capitais.
Na América Latina, as mudanças nas cidades ocorrem de modo mais lento, por conta da falta de recursos, da ausência de vontade política e do excesso de problemas estruturais a resolver.
“As maiores cidades do mundo vêm fazendo transformações aos poucos, e São Paulo não as fez. Houve um apagão urbanístico por décadas, e agora a cidade precisa fazer em dez anos o que outras fizeram em 40”, avalia Caldana.
A capital paulista vem aumentando aos poucos sua rede de ciclovias e, na última década, criou mais áreas para pedestres e reduziu a velocidade máxima em quase todas as avenidas, o que aumenta a segurança das pessoas. Implantada na gestão de Fernando Haddad (PT), a redução foi mantida em quase toda a cidade nos governos seguintes, de João Doria e Bruno Covas, ambos do PSDB.
No continente, Bogotá, na Colômbia, se destacou por ter feito um grande sistema de corredores de ônibus –alternativa mais barata do que o metrô– e por, durante a pandemia, ter avançado na criação de ciclovias em grandes avenidas. Buenos Aires também lançou um programa para fazer faixas para ciclistas em vias importantes, e não em ruas secundárias, e promete seguir com a prática nos próximos anos.
Tanto em países pobres quanto ricos, no entanto, a habitação deverá ser um grande desafio. Com a alta no desemprego trazida pela pandemia, aumenta o risco de despejos. E reformas urbanas, como a da Champs-Élysées, podem valorizar ainda mais os imóveis ao redor, expulsando pessoas mais pobres.
“O problema da habitação se agravou no mundo todo, mesmo com a chegada de novas tecnologias. A evolução urbana não está conseguindo atender as necessidades na área habitacional”, aponta Caldana.
Cabe aos governos definir medidas para tentar evitar isso, em uma tentativa de conciliar a disputa entre os direitos dos cidadãos e os interesses do mercado. “No fundo, é uma questão de como vamos decidir usar o solo das cidades”, resume Caldana.
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Como Paris, metrópoles devem consolidar mudanças para tirar espaço de carros
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- Por Mídias Digitais
- 3 de fevereiro de 2021
- 4 anos ago
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