SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre muitas dúvidas e inseguranças na volta às aulas, uma tem particularmente preocupado pais e professores de crianças menores: como fica o colo e o acalanto para acalmar o choro com todas as regras de distanciamento impostas para prevenir a disseminação do coronavírus?
Na última semana, a Folha de S.Paulo ouviu pais e profissionais de escolas da rede pública e privada da capital paulista para fazer a pergunta, além de especialistas em saúde e da própria prefeitura, que deram o veredito.
O protocolo elaborado pela Secretaria Municipal de Educação da gestão Bruno Covas (PSDB) fala sobre higiene e organização de ambientes, mas não menciona palavras como colo e abraço. Com isso, as unidades municipais têm tratado do tema de formas diversas
Ao passo que muitas têm liberado o colo, em outras há dúvida e, em casos extremos, até proibição.
O CEI (Centro de Educação Infantil) Parque Edu Chaves, no bairro de mesmo nome da zona norte, chegou a colocar em seu plano de retorno um trecho que falava sobre a adaptação ao retorno nos seguintes termos: “caso a resistência persista, e a criança demonstre sofrimento, será dialogado com a família sobre a necessidade da permanência na unidade, visto que o acolhimento com colo e toque não são possíveis nesse primeiro momento”.
Após ser questionada sobre o caso pela reportagem, a Secretaria de Educação disse que entrou em contato com a unidade para que o trecho fosse corrigido, pois a orientação está equivocada.
Não foi um caso isolado, embora esteja longe de representar toda a rede municipal. Em uma creche no Rio Pequeno (zona oeste), uma mãe, que pediu à reportagem que o nome da unidade e o seu não fossem divulgados, a possibilidade de acalanto foi apresentada da mesma forma, como uma interdição, e teve família que até desistiu de colocar seus filhos.
A reportagem também conversou sobre o tema com educadoras de duas unidades na zona leste da cidade, que pediram para ter seus nomes preservados, porque não haviam pedido permissão à prefeitura para falar.
Uma delas, coordenadora, contou que uma professora chegou a chorar diante da perspectiva de afastamento físico total em relação às crianças e que não sentiu respaldo para dar outra orientação. “Eu gostaria de dizer para as professoras acalentarem, acolherem, mas o que acontece se uma delas pega a doença, mesmo que não seja na escola?”
A outra contou que em sua unidade, que atende bebês e crianças, haverá colo e acalanto com as regras de protocolo, além de outras formas de acolhimento, mas que os professores estão longe de se sentirem seguros com isso.
Diante das dúvidas, a Folha perguntou diretamente à Secretaria da Educação: o professor no ensino infantil pode dar colo, fazer cafuné, acalentar o bebê que chora?
Sim, responde Minéia Fratelli, secretária-adjunta de Educação. “Pode pegar no colo e acolher as crianças no seu sofrimento, na sua angústia”, diz.
No período de adaptação à volta à vida escolar, os pais também podem entrar, segundo ela, mas a orientação é que o façam de forma menos frequente.
Ela afirma que será o adulto quem garantirá o cumprimento do protocolo sanitário no ensino infantil, com lavagem frequente das mãos e uso de equipamentos de proteção individual. Na rede municipal, os educadores receberam máscaras de pano e face shield.
Minéia conta que dúvidas sobre a questão do contato físico foram frequentes nas conversas as equipes antes da volta às aulas. Mas a questão apareceu também na rede privada.
Coordenador médico do pronto-atendimento de Pediatria do Hospital Sírio-Libanês, Ricardo Fonseca conta que pais de uma escola para a qual a instituição prestou consultoria ficaram preocupados que seus filhos não se sentissem acolhidos quando souberam que o porteiro da escola não poderia mais pegá-los no colo.
Mas o veto tem razão de ser.
Na educação infantil, explica Fonseca, certas regras de distanciamento são diferentes, especialmente no cuidado das crianças muito mais novas. “O profissional da educação já vai ter que ajudá-las na hora da higiene e da alimentação, não faz sentido orientá-lo a não as acolher quando estiverem chorando.”
Para não abrir mão da segurança de todos os envolvidos, ele afirma que é necessário então investir nas outras medidas de proteção: máscara e face shield para o adulto, troca de roupa, higiene das mãos, ventilação e formação de bolhas, que são grupos formados sempre pelas mesmas crianças e professor, de modo a minimizar os contatos e facilitar o rastreio em caso de suspeita de infecção -daí, no caso mencionado, a impossibilidade de todas as crianças serem recepcionadas pelo mesmo porteiro.
Mas as crianças cumprem as regras de distanciamento? Diretora de ensino do Hospital Albert Einstein, Soraya Souza Cruz diz que a experiência mostra que sim.
No ano passado, o centro de saúde onde foi diagnosticado o primeiro caso de Covid-19 do país fez uma parceria com uma instituição educacional para receber filhos de funcionários na linha de frente.
Diferentemente do que ela mesma esperava, as crianças logo se adaptaram às regras de distanciamento e higiene, e nenhum caso de transmissão entre elas e entre elas e educadores foi registrado. “Se o adulto para e explica para elas por que tem que fazer as coisas e mostra que está seguro em relação a isso, elas respeitam.”
No caso das crianças muito pequenas, não é possível evitar o colo em alguns momentos. Com as outras, no entanto, é possível pensar em formas diferentes de acalanto, defende Soraya. “Precisamos ressignificar o afeto.”
No Colégio Santa Cruz, em Alto de Pinheiros (zona oeste de SP), isso significou pensar em outras formas de acolhimento como a conversa, o tom de voz e o olhar, diz Beatriz Gouveia, diretora de educação infantil.
Nada disso, porém, substitui a necessidade do colo para algumas situações, especialmente para os mais novos. “O desenvolvimento da criança passa muito pelo corpo. Quando ela está feliz, sorri e pula; outras vezes, ela precisa de um contorno para se sentir em um ambiente seguro”, explica. “Já a criança mais velha tem mais facilidade para obter essa segurança com a linguagem.”
A partir dessa constatação, a equipe procurou formas de oferecer o colo na nova conjuntura: não colar o rosto no da criança, não tirar a máscara de jeito nenhum, abraçar a criança mais de costas, higienizar as mãos depois de qualquer contato corporal.
Transmitir segurança aos pais e aos professores foi fundamental nesse processo, afirma Beatriz, tanto para o cumprimento dos protocolos como para que a escola não fosse vista como um lugar de medo e perigo.
Assim como no Santa Cruz, a Escola do Bairro, na Vila Mariana (zona sul), chamou uma psicanalista para conversar com os professores sobre a expectativa e os medos em relação ao retorno presencial, conta a diretora, Gisela Wajskop.
No início, nem todos os educadores pegavam no colo. Começaram pegando na mão, depois passaram a pegar os menores (a escola atende a faixa etária a partir de um ano) e foram sentindo que era possível fazê-lo de forma segura.
Os profissionais usam máscara e face shield e tanto professor como aluno higienizam as mãos depois de qualquer contato.
Longe de ser confortável, a situação leva as escolas da cidade a refletir sobre a relação entre adultos e crianças. “Nós não as usamos como objeto. A gente responde ao que elas estão precisando. Não precisa ficar beijando, o que elas precisam às vezes é de um contorno, se sentir seguras”, diz Gisela. “Isso cria anticorpos emocionais.”
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Professor pode dar colo a criança que chora? Dúvida gera angústia na volta às aulas
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- Por Mídias Digitais
- 26 de fevereiro de 2021
- 4 anos ago
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