O câncer deve se tornar a principal causa de morte no Brasil em menos de uma década. O envelhecimento da população e o aumento de diagnósticos são as principais razões para a mudança, diz a ex-presidente da Sociedade Brasileira de Patologia, hoje integrante do conselho consultivo, Katia Leite. Professora da USP, é a única brasileira a integrar o comitê editorial da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Ela é uma das responsáveis pela atualização dos livros que são referência mundial para todos os tumores cancerígenos. Os volumes, conhecidos como blue books (livros azuis), são importantes porque padronizam (e atualizam) os tipos de tumores e tratamentos.
No Brasil, o câncer é a segunda principal causa de morte desde 2003, perdendo apenas para doenças cardiovasculares.
Katia falou sobre a alta de diagnósticos de câncer em todo o mundo, o avanço dos tratamentos e destacou a importância da conscientização sobre os tumores hereditários.
Por que os “livros azuis” são tão importantes?
Os “livros azuis” possibilitam a harmonização do diagnóstico dos tumores em todo o mundo e também o tratamento indicado. Além disso, são essenciais também para a realização de ensaios clínicos. Eles existem desde 1956 e estamos agora em sua 5.ª edição. Pela necessidade de atualização cada vez mais rápida, temos sempre novas descobertas relacionadas às neoplasias, às vias moleculares do câncer, à fisiopatologia dos tumores e novas drogas. Temos, além das edições impressas, a edição online.
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Incorporação de uma descoberta?
Os livros têm um corpo editorial e, cada um deles (relacionado a cada trato) tem experts contratados. A partir das publicações científicas de novos estudos, os editores chamam os autores a participar. Atualmente, conhecemos diversas vias de alteração. E, para cada uma delas, há drogas específicas com alvos moleculares. Um tumor que tem um aspecto morfológico X vai ser agrupado com determinadas vias de carcinogênese. A mutação Y vai ser agrupada de um jeito. A mutação W, de outro jeito. Aspecto histológico, molecular, expressão de proteína, mutações específicas, tudo isso tem repercussão na escolha do tratamento e no prognóstico.
Por que os diagnósticos de câncer vêm aumentando?
Temos um aumento do número de diagnósticos pelo maior acesso a exames de diagnóstico precoce. Há maior disseminação de exames como colonoscopia, mamografia. A chance de um diagnóstico é maior. Isso não quer dizer que aumentou o número de casos, mas de detecção. Além disso, hoje, a sobrevida média da população já é de quase 80 anos. Até bem pouco tempo atrás, era de 65 anos. Com sobrevida maior e mais idosos, mais casos de câncer teremos. Por exemplo, 80% dos homens de 80 anos têm câncer de próstata. As pessoas deixaram de morrer de pneumonia, de doenças infecciosas. Cada vez mais elas deixam de morrer de problemas cardiovasculares. Temos muitos avanços nessa área, remédios, tratamentos. Até 2030, o câncer será a primeira causa de morte.
E o estilo de vida?
É preciso deixar de fumar qualquer coisa, não apenas o cigarro comum. Cigarros eletrônicos são péssimos, narguilés são péssimos, maconha, tudo é péssimo. É preciso ter uma vida mais saudável, uma alimentação melhor, não fumar, usar protetor solar.
Tratamentos para o câncer têm evoluído
Quimioterápicos e radioterápicos eram bem mais inespecíficos, interrompem o processo de multiplicação das células. Mas quais as causas da doença? Por que as células se multiplicam de forma anômala? A grande evolução são as drogas que têm alvos moleculares, elas inibem vias de carcinogênese, que são responsáveis pela sinalização errada de que aquela célula deve se multiplicar. Outro tratamento que está mudando a história do câncer é a imunoterapia. Porque o tumor, para se proliferar, engana o sistema imune, que deixa de atacá-lo. A imunoterapia faz com que o sistema imunológico passe a reconhecer e lutar contra o tumor. Ela desbloqueia essa defesa inibida. A velocidade do desenvolvimento de drogas com alta eficiência é incrível.
Prevenção
Um caso seria o da atriz Angelina Jolie, que tirou todo o tecido mamário e o ovário porque sabia que tinha uma alta predisposição. Mas conhecendo a história da família o indivíduo pode começar a fazer exames de diagnóstico mais cedo, estar mais atento para fazer um diagnóstico precoce. Por exemplo, se você sabe que há casos de melanomas agressivos na família, você vai estar muito mais atenta à exposição solar, se proteger mais, não deixar que uma pinta vire uma úlcera para procurar tratamento, essas coisas.
Entrevista de Katia Leite, Professora da USP.