* ESPECIAL MÊS DO PROFESSOR
“Virou cachaça” [vício]. É assim que o professor universitário Fernando da Costa Tourinho Filho, referência no ensino de processo penal no País resume sua paixão pelo direito e pelo ensino.
Aos 95 anos, durante uma conversa descontraída com a reportagem, o professor universitário contou histórias de sua carreira e como segue na ativa em Araraquara.
“Era promotor em Agudos, próximo a Bauru, quando fui convidado pelo diretor da faculdade, doutor Maurício Toledo para lecionar processo penal. Lembrando-me dos professores que tive na Bahia, o Orlando Gomes e Aliomar Baleeiro, verdadeiras sumidades, me recusei”, explicou.
“O procurador-geral Mário de Moura e Albuquerque disse que fiz um belo concurso e podia ser professor. Minha senhora, que era professora primária, olhou para mim e disse: compra os livros de processo penal, prepare as aulas e comece. Aceitei a ideia dela, comprei alguns livros de processo penal – Espíndola Filho de oito volumes -, e como falo francês comprei dois livros franceses, comecei a ler processo penal e preparei quatro aulas. Cheguei na faculdade e dei tudo em 20 minutos. Acabou, fiquei desesperado e começou, em 1958. Comecei a estudar, dar aula, aí peguei minha cachaça de dar aula e desde 1958 até hoje eu leciono. Virou cachaça”, acrescentou ao brincar que ser professor se tornou vício.
Tourinho é conhecido por ser rígido em sala de aula e por longo período exigir de seus alunos que utilizassem terno e gravata como traje para acompanhar suas aulas. Nestes mais de 60 anos de profissão, são inúmeras histórias, conforme ele mesmo relatou.
“Sempre fui rígido. Uma vez houve necessidade, pois o Luiz Felipe precisou de um professor para aula de sábado à tarde e ninguém quis. Disse topar, ia dar aula na sala 10, batia um Sol e no fundo tinha um rapaz de manga cavada e eu dei uma bronca”, relatou, ao cobrar um aluno por não usar terno ou traje adequado em aula.
Parte dessas histórias está relacionada aos estudantes ‘espertinhos’ que tentavam levar vantagem durante as provas e consultar o material durante a aplicação das avaliações.
Tourinho fez questão de deixar claro o ‘faro’ apurado para flagrar esses alunos e relembrou com bom humor um desses inúmeros momentos em sua carreira.
“Dava aula em Bauru e tinha uma freira que sentava na frente e via que ela virava para lá e cá. Fingi ir para o fundo e voltei repentinamente e vi que ela estava com a cola entre a saia. Disse no ouvido dela: madre, Deus tem pavor a pessoa que cola. Até hoje essa senhora não apareceu mais lá”, relembrou.
MAIS DE 60 ANOS DE PROFISSÃO
Tourinho Filho fez carreira no Ministério Público e começou sua trajetória como professor na Instituição Toledo de Ensino (ITE), de Bauru, em 1958, para complementar a renda familiar e oferecer melhores condições a ela. Em 1972, veio o Instituto de Ensino São Bento, hoje Universidade de Araraquara (Uniara).
Ele não escondeu desconhecer os principais pontos de Araraquara, mas possui uma relação íntima com ela desde 1972, quando começou a dar aulas no Instituto São Bento, que viu evoluir e crescer.
“Não havia nem estrado e eu falei para o Luiz Felipe [Cabral Mauro]: vamos colocar estrado aqui que quero ver a turma lá do fundo. A partir daí todas as salas ficaram com estrado e hoje é esse monumento que é a Uniara. Minha querida Uniara”, ressaltou.
“Não conheço muito bem Araraquara, mas eu e Luiz Felipe íamos comer kibe com coalhada e voltávamos rindo e contando piadas. É um grande educador e empreendedor. Quantos prédios em Araraquara não pertencem a Uniara? Quantos cursos têm hoje? Mas o carro-chefe é o Direito”, completou.
A pandemia da covid-19 trouxe novos hábitos, trocou a aula presencial na sala de aula pelas explicações gravadas e repassadas aos estudantes.
Apesar disso, a paixão por transmitir conhecimento aos seus alunos e pelas aulas na Morada do Sol segue o mesmo e dura mais de 60 anos.
Questionado sobre como lidar com a pandemia da covid-19 e a ausência das aulas presenciais, Tourinho explicou que grava as aulas e envia para os alunos, mas se mostra desconfiado sobre a efetividade do modelo.
“Sem aula presencial o que está acontecendo é isso que estão vendo aí, é o professor fazendo as questões e o aluno faz a prova em casa. Aí você já viu, ele pega livro e código, não tem jeito. Mudou tudo”, afirmou, em tom desconfiado.
Fernando da Costa Tourinho Filho nasceu em 20 de junho de 1926, em Nova Viçosa, na Bahia. Porém, na época, acabou registrado em 1928, em Prado, Sul do Estado.
É graduado em Direito e possui especialização na mesma área pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). O professor universitário também é autor de diferentes obras sobre processo penal, além de escrever um manual sobre o assunto.