Uma lona branca, gigante, chama atenção ao lado do Sesc em Araraquara. Quem passa por ali, não imagina que aquela estrutura pertence ao circo mais antigo do Brasil em atividade: o Stankowich.
Trazido para as terras tupiniquins por um casal franco-romeno fugido da guerra em 1856, o Stankowich é uma lenda, sobrevivendo ao tempo e adaptações. A maior delas foi a proibição do uso de animais nos espetáculos, já que o circo foi fundado por uma família de domadores. Foi também um dos primeiros circos de lona de toda América do Sul, quando as companhias ainda se apresentavam nas praças.
Hoje, a frente de uma das duas unidades do circo mais antigo do país, Marlon Stankowich é a prova viva de que ali a arte vive. Ele é a 6ª geração da família e em 62 anos viu muita coisa mudar.
“Quando nasci, o circo era de plástico, hoje as lonas são anti-chamas. Arquibancada era de madeira, hoje o pessoal senta em cadeiras de teatro. O som, tudo foi se modernizando”, disse o empresário e circense.
Muita gente famosa passou por ali. “O Roberto Carlos começou no Stankowich, no Rio de Janeiro. Ele disse para o meu pai que tentaria a carreira em São Paulo e deu certo.”
Com mais de 170 anos, o Stankowich ainda preserva muitos elementos nostálgicos. Um deles é seu grande balé, composto por dançarinas que lembram as vedetes dos teatros de revista. As artistas conectam um número ao outro, sempre com figurinos relacionados àquilo que irá encantar o público nos próximos minutos, ao todo são sete trocas. O King-Kong, macaco gigante de mais de 7 metros também encanta (e assusta) gerações.
O segredo para tanta longevidade, segundo Marlon, é simples, só não enganar o público. “Fazer um espetáculo sério. Levando alegria para crianças e adultos, de 2 a 90 anos de idade”, disse Marlon.
Respeitável público
Sexta-feira, a casa cheia, prova disso é que a bomboniere não para. Atrás do picadeiro, está ele, calmo, já maquiado ao lado do filho, esperando para ‘bater o ponto’.
Michel Rodrigues de Souza, de 36 anos, dá vida a Michelito, a figura cômica do Circo Stanckowich. Diferente de seu palhaço, que se comunica por sons e gestos, Michel conversa e fala português. Ele foi um dos que ‘fugiu’ com o circo, aos 13 anos, sendo a primeira geração de sua família.
Foi acrobata, trapezista e hoje é palhaço. “No circo que eu trabalhava, o palhaço estava indo embora, ai pedi para a dona do circo para experimentar e deu certo.”
Segundo ele, fazer o outro rir é muito mais difícil do que fazer chorar.” Ninguém vê a lágrima do palhaço por trás das cortinas. Mas passou dali, para o palco, aí é algo mágico, da cortina para lá é o palhaço Michelito, ele não tem divida, não tem conta para pagar, não tem filho, não tem problema, é outro personagem”, disse o profissional do riso.
Agora é minha vida
Desempregado, Fabio Pavanelli, de 38, não tinha medos e nem nada a perder há dois anos atrás. Trabalhar no circo foi uma oportunidade, uma aventura, que veio após um convite de um amigo de infância. “Um dia ele disse ‘vem para cá’ peguei e vim.”
Ele faz parte das mãos essenciais para que o espetáculo aconteça, mas que o público não vê. Seu figurino, uma roupa toda preta, serve para passar despercebido. Ele é contra-regra e prepara a estrutura de cada número, dando assistência aos artistas. Além dele, outros 30 trabalhadores não são vistos pelo público, mas são essenciais para manter a estrutura e vendas do lugar.
É de família: um resgate da ancestralidade
Diferente dos outros dois entrevistados, Michel e Fabio, Natália Stankowich, de 24, nasceu ali e faz parte da sétima geração da família.
“É tudo muito natural, a nossa brincadeira é dentro do circo, desde pequena você vai alongando, ensaiando”.
Seu número é um dos primeiros do show: a força capilar, em que a acrobata fica suspensa pela cabeleira em mais de 6 metros de altura, enquanto gira, faz piruetas e contorções. A modalidade foi inspirada na avó e na bisavó, que também faziam o mesmo número. Ela também é trapezista, função também de família. “Sou trapezista por causa da minha mãe, meu pai, minha vó. De geração em geração, o circo e os números.”
Com 18 anos a Vanessa Vaz, hoje com 38, se encantou e entrou para o elenco de bailarinas de um circo que passava em sua cidade.”Fiz o teste e fui embora, larguei tudo. Você viaja trabalhando, ganhando, conhece muitos lugares e pessoas”.
Sua filha, Hany Vaz Vieira, de 15, nasceu no ‘picadeiro’ e seguiu os passos da mãe: a dança. “Com um tempo eu fui vendo o que eu gostava e o que me atraía”.
Vindo de uma outra família circense, os Robatini, Leonardo Vinicius Robatini Carvalho de 28 anos decidiu se aventurar na lona do Stankowich e faz arco-flecha, o globo da morte e trapézio.
“É a vida da gente, né? Já nasceu aqui, não consegue fazer outra coisa não. Sou sexta geração, já tentei parar, fiquei na casa da minha avó, totalmente diferente”, disse.
“O circo é minha vida, meu almoço, minha janta, minha diversão, o meu trabalho. Tudo que sou, agradeço ao circo”, finalizou Marlon Stankowich.