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vidaemquatrolinhasA fortuna do jogo zomba dos nossos delírios de onipotência

A fortuna do jogo zomba dos nossos delírios de onipotência

É plausível verificar um contraste entre tentar diminuir a influência do acaso em uma peleja e jogar o jogo flertando com o imponderável imanente do futebol

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Carlo Ancelotti e Pep Guardiola se enfrentaram nas semifinais da Liga dos Campeões. (Foto: Catherine Ivill/Getty Images/One Football)

 

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Como tem sido corriqueiro após as eliminações de Pep Guardiola na Liga dos Campeões, o ponto final colocado pelo Real Madrid na trajetória europeia do Manchester City foi transformado em novo paradigma para criticar os fundamentos do jogo proposto pelo treinador catalão. 

Dessa vez, a narrativa utilizada sugere que as equipes treinadas por Guardiola automatizam em excesso seus mecanismos coletivos, o que cercearia a criatividade e domesticaria o potencial dos jogadores, forjando um time previsível e incapaz de reagir em contextos adversos. Por outro lado, há uma exaltação dos princípios que organizam os times de Carlo Ancelotti, em que, no momento ofensivo, a liberdade para o talento é ponto de saída e não ofuscar a criatividade de quem joga é o objetivo.

Assim, a partida entre Manchester City e Real Madrid foi convertida também em uma peleja conceitual em que Carlo Ancelotti é posto como o remédio para o veneno de Pep Guardiola.

Todavia, me parece pouco factível ver em Guardiola um carrasco que inibe a potencialidade de seus jogadores, tendo em vista, por exemplo, a liberdade com que jogavam Xavi, Iniesta e Messi, a ascensão de Kimmich e a evolução de Lahm atuando como meio-campista e até mesmo a transformação de De Bruyne em “homem livre” e os crescimentos de Bernardo Silva e Phil Foden nas últimas temporadas.

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Dessa forma, o que se pode considerar, na condição de hipótese, é que equipes que praticam o jogo de posição buscam controlar, por meio da racionalização quase matemática dos espaços do campo, nos limites da objetividade possível, os acontecimentos de uma partida. Em contrapartida, outros times, inspirados em uma filosofia de futebol diferente, são organizados taticamente a partir da autonomia de seus jogadores no ataque, o que pode ensejar em um domínio coletivo menor, ao mesmo tempo que estimula a criação de cenários imprevisíveis.

Portanto, é plausível verificar um contraste entre tentar diminuir a influência do acaso em uma peleja e jogar o jogo flertando com o imponderável imanente do futebol. Essa oposição teria se manifestado na eliminatória em que o Manchester City caiu para o Real Madrid.

Entretanto, as críticas mobilizadas contra Guardiola, como se limitasse o desenvolvimento de talentos, não estão baseadas na evolução de determinados atletas, mas tão somente nos minutos finais de uma semifinal europeia. Sendo assim, se Rodrygo e Benzema não tivessem sido protagonistas de viradas históricas, o que incorreria na eliminação dos espanhóis na Liga dos Campeões, poderia ser dito que faltou ao Real Madrid um treinador que definisse melhor o comportamento coletivo da sua equipe — o que seria igualmente falacioso.

Isso não significa que Guardiola seja um treinador inquestionável, imune ao erro ou até mesmo ao fracasso. Contudo, seria mais congruente confrontar os princípios de jogo do treinador catalão às suas escolhas, ao invés de formular teorias voláteis como são os resultados, com vereditos que acabarão editados na semana seguinte.

Afinal, o único fato que foi verdadeiramente comprovado nesta contenda é que a fortuna do jogo zomba dos nossos delírios de onipotência, projetados em seres errantes que estão à margem do gramado.

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