Após a derrota para o São Paulo, por 1 a 0, a frustração invadiu o coração do torcedor corintiano, que pede a saída de Sylvinho do comando técnico da equipe, ignorando que esse é o melhor momento do clube desde o título brasileiro de 2017.
O incômodo, fruto da expectativa criada sobre um elenco reforçado por Renato Augusto, Giuliano, Willian e Roger Guedes, não justificaria a demissão. Contudo, isso também não significa que não existem lacunas no trabalho do treinador.
Organizado no 4-1-4-1, a dinâmica coletiva do Corinthians, em fase ofensiva, passa pelo princípio da ocupação racional dos espaços. Através dela, o time conseguiu ser melhor do que o Palmeiras, em um jogo orientado para o contra-ataque, da mesma forma que buscou o empate contra o RB Bragantino, nos minutos finais, estando presente no campo de ataque durante todo o confronto. Em ambos os casos, foi superior em desempenho.
Entretanto, em contextos que inibem as vantagens geradas por essa organização, o time não apresentou alternativas capazes de recriar situações favoráveis dentro das partidas, como resposta às adversidades impostas pelos adversários — o que pode, inclusive, ser sintoma de um trabalho ainda em desenvolvimento.
Nesse sentido, a sistematização do jogo corintiano indica a capacidade de Sylvinho em transformar sua equipe em um todo coerente. Porém, faltam variações que não façam do Corinthians um time estruturado, mas monotemático.
Por outro lado, um dos treinadores mais aclamados do futebol brasileiro é Renato Gaúcho. Identificado com o jogo “intuitivo”, o que significaria outorgar à criatividade dos jogadores a elaboração do momento ofensivo, há quem compreenda que seus times expressam o melhor caminho para resgatar o sonhado futebol bonito. Uma tese contestável, considerando a realidade vivida contra Cuiabá e Athletico Paranaense.
Em entrevista ao “El País”, César Luis Menotti, treinador argentino campeão mundial em 1978, atual diretor de seleções do seu país e patrono de uma dinastia que propõe um futebol ofensivo e criativo na Argentina (como bom rosarino que é), diz que o treinador de futebol é como um professor, no ofício de ensinar sobre o jogo aos jogadores, o que seria condição para que os atletas tenham maior liberdade de ação dentro do campo. Segundo Menotti, essa autonomia depende diretamente do conhecimento (enquanto aptidão interpretativa) apreendido pelos jogadores e sempre estará ligada ao funcionamento coletivo da equipe. Portanto, não há uma contradição entre a liberdade criativa e a normatização tática. Na realidade, são dimensões complementares e que se potencializam mutuamente. Só se é livre em um jogo coletivo, com um sentido comum compartilhado.
Desse modo, quando vemos jogadores como William Arão e Diego arrancando com a bola desde a defesa, sem qualquer opção de passe para progredir no ataque, solitários contra a pressão do Athletico Paranaense, ou no momento em que enxergamos os meio-campistas do Flamengo aglomerados com a bola no centro do campo, sem saber o que fazer com ela para desorganizar o sistema defensivo do Cuiabá, podemos concluir que se trata de uma autonomia esvaziada.
Se ao Corinthians de Sylvinho, apesar da organização sistemática da equipe, falta inventar soluções durante o jogo jogado, no Flamengo de Renato Gaúcho não vemos uma inteligência coletiva que seja capaz de potencializar a liberdade criativa dos seus jogadores. Ambos precisam contribuir para que seus jogadores sejam melhores para responder às demandas do jogo.
Afinal, esse é o trabalho de um treinador.